O período da ditadura no Brasil foi marcado por construções faraônicas, obras que ainda hoje têm importância estratégica
Os militares fizeram a Revolução Industrial no Brasil. O período
de 1967 a 1979 foi marcado por construções faraônicas, obras que ainda
hoje têm importância estratégica, validadas pela propaganda ufanista do
“Brasil Grande”, e do “Ame-o ou deixe-o”. É inegável o avanço da
infraestrutura que criaram a partir do nada, mas quando o general João
Baptista Figueiredo saiu pelos fundos do Palácio do Planalto em 1985,
encerrando o ciclo de governos militares no país, o cenário era
irreconhecível: na esteira do desenvolvimentismo veio a estagnação
econômica, a dívida externa e pesados impactos ambientais.
Os
presidentes militares criaram um modelo econômico que mudou o país.
Autoritário e pragmático, esse padrão tecnocrata tinha o Estado como
centro e a “eficiência técnica” como forma de administrar empresas
estatais. O comandante da economia na época, o ministro da Fazenda
Delfim Netto, conta que o desenvolvimentismo começou na década de 1950.
“O Brasil é o país que mais cresceu em toda a América Latina até hoje.
Crescemos 7,5% ao ano durante 32 anos.”
PONTE RIO-NITERÓI |
A
ponte que leva o nome do general Costa e Silva foi um desafio para a
engenharia nacional: tem o maior vão em viga reta construído pelo homem e
é a 13ª no mundo em extensão. Nos 13 km, por onde trafegam 153 mil
veículos por dia, a parte mais complexa foram os 9 km erguidos sobre o
mar, o que exigiu a perfuração do subsolo oceânico em busca do terreno
rochoso. Para Carlos Henrique, um dos engenheiros construtores da ponte,
uma obra como essa só poderia sair do papel na ditadura. “Eu credito ao
governo militar o ímpeto, audácia e ganância de materializar o projeto
da Ponte Rio-Niterói”. O sonho de fazer uma ligação entre as duas
cidades existia desde o Império. |
O
resultado prático foi que em 1964 o Brasil era o 45º PIB do mundo e, 21
anos depois, pulou para a 10ª posição. A frase “O Brasil vai bem, mas o
povo vai mal”, do presidente Emílio Garrastazu Médici, foi dita quando o
PIB atingia 14% ao ano em plena campanha das grandes obras, mas o país
se corroía em meio a aumento da desigualdade social e pobreza. Os
militares promoveram uma entrada maciça de capital estrangeiro combinada
com arrocho salarial, o que resultou em elevados índices de crescimento
econômico e inflação baixa, colocando em prática a fórmula de Delfim
Netto, de que era preciso esperar o bolo crescer para só depois
dividi-lo. “Não se pode distribuir o que ainda não foi produzido a não
ser tomando emprestado”, diz hoje Delfim, ao explicar a frase dos anos
70.
Algumas das grandes obras do século 20 foram feitas no
Brasil, e o ano de 1969 marcou o início com a Ponte Rio-Niterói, ainda a
mais longa do Hemisfério Sul. Em 1974 veio a Hidrelétrica de Itaipu
Binacional, a maior geradora de energia do mundo, à frente da chinesa
Três Gargantas, e a Transamazônica.
ITAIPU E TUCURUÍ |
As
hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí respondem por quase um quarto da
geração de energia do Brasil. Itaipu é a maior geradora do mundo e
abastece 50 milhões de residências. O diretor-geral da binacional, Jorge
Samek, destaca: “Geramos 98,6 milhões de megawatt/hora, o suficiente
para suprir o consumo de eletricidade do mundo por dois dias”. O
progresso costuma ter custos políticos, sociais e ambientais. Quando as
comportas de Itaipu fecharam para que o reservatório fosse alagado, a
natureza cobrou seu preço: em duas semanas o lago fez desaparecer as
cataratas de Sete Quedas, no Rio Paraná. |
“A
marca do regime militar e do capitalismo brasileiro era fazer uma
propaganda ufanista com essas obras”, diz o historiador da USP Marcos
Napolitano. Em 1979, o Brasil triplicou a capacidade da indústria
siderúrgica com o projeto Grande Carajás, numa área de 900 mil km²,
cerca de um décimo do território nacional. Os militares ainda começaram a
implementar redes de metrô nas grandes capitais e ampliaram a malha
rodoviária asfaltada de 3 mil para 45 mil quilômetros.
Mas a
ideologia do Brasil Potência teve seus tropeços. Um deles foi o polêmico
projeto das usinas nucleares de Angra 1 e 2 – hoje elas geram 1,57% da
energia consumida do Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) – e da hidrelétrica de Balbina, de 1973, um monumento à
estupidez idealizada na ditadura. Na época ela custou US$ 1 bilhão,
inundou 2,36 mil km² de florestas nativas, criando um dos maiores lagos
artificiais do mundo. Seu potencial energético é de meros 250 megawatts.
Com pouco mais da metade da área do reservatório, Itaipu produz 56
vezes mais energia.
A
construção de Tucuruí, no Pará, em 1975, foi marcada por escândalos de
corrupção e prevaricação. A obra desalojou comunidades, inundou enormes
extensões de terra e destruiu a fauna e a flora locais. A usina é a
quarta maior geradora de energia do mundo e, segundo a Eletronorte, foi
feita para atender o polo mineral e metalúrgico do Pará. Um relatório do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) apontou que quase
dois terços da energia vai para a indústria extrativista. Tucuruí e
Itaipu gastam perto de 15% de suas receitas com royalties compensatórios
por perdas ambientais e uso dos recursos hídricos. “Itaipu é exemplo de
projeto elaborado e implementado de forma condizente com as
condicionantes ambientais locais. Tucuruí e Balbina são empreendimentos
onde os interesses energéticos ‘atropelaram’ questões ambientais”, diz o
pesquisador do setor elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) Guilherme de Azevedo Dantas.
TRANSAMAZÔNICA |
A
rodovia tem 4 223 km e foi feita para levar 4 milhões de nordestinos
que sofriam com o flagelo da seca a ocupar áreas pouco povoadas do Norte
do país. O presidente Médici, em 1974, cunhou até uma frase de efeito
para a missão da estrada: “Levar homens sem terra para uma terra sem
homens”. A rodovia atravessa sete estados, três ecossistemas (caatinga,
cerrado e floresta) e custou a vida de 8 mil índios, segundo a Comissão
Nacional da Verdade (CNV). Junto com a estrada também vieram as disputas
agrárias e ciclos econômicos de exploração irracional de recursos
naturais. Sem um estudo de viabilidade econômica, a maioria dos colonos
desistiu de se fixar na região. “A Transamazônica foi um erro produzido
pela ignorância de imaginar que a Amazônia fosse um território rico”,
diz Delfim Netto. O projeto original previa a fronteira com o Peru como
ponto final. O último trecho nunca foi construído. |
As
obras de infraestrutura arrebanharam grandes contingentes de
trabalhadores. Itaipu teve mais de 40 mil homens no canteiro de obras. A
Ponte Rio-Niterói precisou de 10 mil operários; Tucuruí usou 7 mil
trabalhadores; e na Transamazônica outros 4 mil estiveram envolvidos na
construção da estrada. Para Marcos Napolitano, “a propaganda para
legitimar essas obras era eficiente, mas nunca houve preocupação
ecológica nem com condições de trabalho. As decisões eram pouco
transparentes e tomadas pelos conselhos de Estado, a população só era
informada”. O ex-ministro Delfim Netto discorda do acadêmico em alguns
pontos. “Nunca houve intervenção militar na administração pública, que
era totalmente civil.”
Os anos 80 foram marcados pela escassez
de recursos, estagnação econômica e paralisação de obras. Os trabalhos
de Tucuruí foram reduzidos e Angra 3, paralisada. As rodovias
Transamazônica e Transpantaneira nunca foram concluídas nem tiveram
estudo de viabilidade econômica ou de impacto ambiental que justificasse
as construções. Com o segundo choque do petróleo, em 1979, Itaipu foi a
única grande obra a atravessar a fase mais aguda da crise com status de
prioridade. “Não só o Brasil, o mundo quebrou, porque era prisioneiro
do petróleo”, afirma Delfim.
ANGRAS 1, 2 E 3 |
Em
1967, o presidente Costa e Silva deu origem ao polêmico projeto nuclear
com a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto – Angra 1, 2 e 3. As
usinas trouxeram benefícios, mas também muitos temores. Além de
diversificar a matriz energética, elas não têm sazonalidade como as
hidrelétricas, estão instaladas perto dos centros consumidores e o país
tem a sexta maior reserva mundial de urânio. Angra 3 só retomou suas
obras em 2008, e quando for finalizada vai dobrar a capacidade instalada
do Brasil. A termonuclear se arrasta desde os anos 80 e seu custo
atinge R$ 10 bilhões. Após o acidente nuclear em Fukushima, no Japão, o
país convive com o medo de um desastre nuclear. “Vamos fazer uma
avaliação nas usinas de Angra, assim como os outros países também estão
fazendo em suas usinas nucleares”, disse o ministro de Minas e Energia,
Edison Lobão. |
O país contraiu uma grande
dívida externa (havia dinheiro abundante no mercado financeiro mundial) e
com ela veio a dependência por mais dinheiro. Itaipu custou US$ 16
bilhões, e sua dívida só será paga em 2023; Tucuruí alavancou US$ 3,7
bilhões; as usinas de Angra 1 e 2 custaram, segundo a Eletronuclear, R$
1,468 bilhão e R$ 5,108 bilhões; a Ponte Rio-Niterói, US$ 400 milhões,
sendo US$ 88 milhões de empréstimo externo com a condição de que o aço
do vão central fosse comprado de empresas inglesas. “Foi no governo
Figueiredo que os juros aumentaram e que o país se complicou com a
dívida externa”, diz Napolitano.
Os militares construíram
algumas das maiores hidrelétricas do mundo: Itaipu, Tucuruí, Ilha
Solteira e Jupiá. Investiram em energia atômica e, em resposta ao
primeiro choque do petróleo, criaram o PróÁlcool, com subsídios para os
produtores de cana. Tais escolhas deram ao Brasil um dos três maiores
potenciais instalados para a geração de energia hidrelétrica, o domínio
da tecnologia de enriquecimento de urânio e a liderança da produção de
etanol, ao lado dos EUA. Mas reservatórios gigantescos implicaram graves
impactos ambientais, e as usinas de Angra ainda funcionam com
tecnologia da década de 1980. A Transamazônica segue ligando o nada a
lugar nenhum.
PERIMETRAL NORTE |
A BR-210 foi uma repetição histórica da tragédia da Transamazônica. Planejada em
1973, no auge do desenvolvimentismo econômico, a estrada passa pelas
entranhas da Amazônia brasileira, desde o Amapá até a fronteira com a
Colômbia. Seu traçado cruzou territórios indígenas e estima-se que cerca
de 2 mil índios ianomâmis morreram em decorrência de epidemias de
gripe, sarampo e tuberculose. Mais tarde, a propaganda do governo
militar feita sobre o potencial mineral do território indígena
desencadeou a instalação de garimpos ilegais, provocando mais
destruição. |