Por João Bonturi*
Preparar o seu saco de pipocas, sentar-se
confortavelmente em frente à TV, de preferência num horário em que os
pais ou irmãos não vão disputá-la, é o primeiro passo para assistir a um
filme que tenha algum interesse para o seu estudo.
O filme deve ser indicado pelo seu professor, embora alguns dos livros
didáticos mais modernos já tragam dicas sobre o assunto. Porém, como
essas publicações não são atualizadas com freqüência, muitas fitas
apontadas podem ter já desaparecido do mercado, especialmente se forem
filmes europeus, daqueles que as locadoras despacham logo se a audiência
for baixa.
Explorar um filme histórico exige paciência. É preciso observar
muitos detalhes, desde as roupas, adereços e cenários até os diálogos e o
comportamento geral dos atores em cena.
Um filme assinado por um diretor reconhecidamente exigente é meio
caminho andado para um bom estudo. Um exemplo é o italiano Lucchino
Visconti, diretor, entre outros filmes, de "O Leopardo", "Ludwig, o Último Rei da Baviera" e "Os Deuses Malditos".
Visconti costumava levar os atores aos museus, para verem quadros de
época e aprenderem através deles a gesticulação e a postura para as
cenas. Em "O Leopardo", passou os figurantes em revista, para ver se
todos tinham os tipos físicos compatíveis. Se as cenas exigiam copos ou
xícaras, só admitia fazer com peças legítimas do século XIX, sem uso de
imitações. Visconti, mestre italiano do cinema, teve como seguidores
Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Pierpaolo Pasolini, Franco
Zefirelli, Francesco Rosi e outros.
Tal qual se lê um livro, deve ser visto um filme. Ao ler um
livro, você pergunta: Por que o autor se envolveu com o tema? Com um
filme, é a mesma coisa: Por que o diretor ou o produtor estava envolvido
pelo tema? Foi só pelo aspecto puramente comercial, uma coisa que
venderia bem, ou havia alguma coisa que ideologicamente tocava nos donos
da iniciativa? Na maioria das vezes as duas coisas estão envolvidas,
com maior ou menor intensidade.
OS FILMES ENVOLVEM VÁRIAS HISTÓRIAS
QUE SUGEREM INTERROGAÇÕES:
o fato histórico em si, narrado por cronistas ou
historiadores. Normalmente ocorrem divergências interpretativas e o
diretor do filme opta por uma única versão;
o mesmo fato, contado por um romance histórico ou
peça teatral, envolve diálogos. Neste ponto, houve a inclusão de
personagens fictícios? Como eles se comportam?
a história das filmagens, o making off. Houve, nessa
última fase, acréscimos ou cortes ao filme, durante a montagem? O
roteiro foi alterado em função de críticas ou da censura do país em que o
filme foi feito?
quando o filme foi distribuído internacionalmente,
houve interferência da censura em algum país? O filme foi proibido em um
ou vários países? Quais as razões das proibições?
a montagem apresentada foi definitiva ou posteriormente foram acrescentadas ou retiradas cenas?
Com esses degraus pode-se separar não só a realidade possível da ficção
criada na tela, como também a alteração das características dos
personagens.
PARA COMPREENDER O FILME:
anote as seqüências, estabeleça a hierarquia entre elas, daí retire a idéia principal.
Um filme não é montado necessariamente em uma
seqüência cronológica, e a narrativa pode passear por vários momentos
históricos e de envolvimento direto ou indireto dos personagens dentro
deles.
Um filme essencial para ser visto é "1900 (Novecento)", de Bernardo Bertolucci, aluno de Pasolini e Fellini, no qual o diretor busca resumir a história da primeira metade do século XX,
a partir da história de um camponês e seu patrão e como as relações
entre eles vão se modificando no decorrer do tempo. Antes que o
historiador Eric Hobsbawn afirmasse que o século XX foi caracterizado
pela luta entre o capitalismo e o socialismo, Bertolucci o fez através do cinema.
Para sentir o clima da Segunda Guerra Mundial, não é preciso ver as cenas realistas de "O Resgate do Soldado Ryan". Assista ao clássico "Casablanca"
de Michael Curtiz, com um elenco composto por atores de várias
nacionalidades que, por si só, simbolizam os povos em conflito; a guerra
é vista através dos freqüentadores de um bar, o Rick's, onde estão as
músicas, do tema romântico As Time Goes By à La Marseillaise, o hino
nacional francês; a luta pela fuga para a liberdade entre Victor Laszlo e
o oficial nazista; a corrupção e o arrependimento patriótico do capitão
Renault e o triângulo amoroso entre Rick Blaine, Ilsa Lund, e Victor
Laszlo.
Com relação à antigüidade clássica, veja "Spartacus",
dirigido por um Stanley Kubrick jovem, com Kirk Douglas, no papel
título e também como produtor do filme. Os bastidores saborosos estão em
"O Filho do Trapeiro", autobiografia de Kirk Douglas. Além de muita
ação e cenas brilhantes de lutas e batalhas, o filme foi combatido pelo
macartismo reinante na política americana dos anos 50, mas aplaudido
pelo então presidente Kennedy e um grande sucesso de público na ex-URSS,
em pleno auge da Guerra Fria, durante a Crise dos Mísseis. O filme se
baseia na revolta liderada pelo escravo Spartacus, contra o Estado
romano, em 73 aC, época da crise da República Romana, na qual a luta dos generais pelo poder era clara nas figuras de Júlio César, Crassus
e de uma oposição política sem forças, liderada por Gracus, um
personagem histórico fictício. Quando o filme fez 30 anos, em 1990, os
tempos já eram outros; foram incluídas cenas, na época censuradas, que
insinuavam relações homossexuais entre o fictício Antoninus e o poderoso
general Crassus, dando portanto um outro caráter a essas duas figuras.
Sobre a Idade Média há um leque interessante, que vai desde a genial comédia "O Incrível Exército de Brancaleone", de Mario Monicelli, com Vittorio Gassman, uma sátira baseada em crônicas medievais, passa pelo realismo de "O Leão no Inverno"
de Anthony Harvey, com um elenco superstar que inclui Peter O'Toole,
Katherine Hepburn, como Henrique II e Eleonora de Aquitânia, e um jovem
Anthony Hopkins como Ricardo Coração de Leão, futuro rei da Inglaterra, e
Timothy Dalton, depois Agente 007, como Felipe II, o Augusto, rei da
França, e chega ao romance histórico "O Nome da Rosa", escrito por Umberto Eco e filmado por Jean-Jacques Annaud, com o charme de Sean Connery no papel de William of Baskerville.
Acerca da Idade Moderna podem ser apontados "Giordano Bruno",
de Giuliano Montaldo, com Gian Maria Volonté, mostrando o processo e as
torturas aos quais foi submetido o filósofo, queimado vivo pela Inquisição em 1600; o divertido "O Rei Pasmado e a Rainha Nua",
dirigido por Imanol Uribe, com Gabino Diego e Laura del Sol, ficção
sobre um rei espanhol do século XVII, que após ver uma prostituta nua,
exigiu que a rainha assim para ele se exibisse; um padre fanático leva o
caso à Inquisição e por aí a história corre saborosa. "Amadeus", de
Milos Forman, com Tom Hulce no papel do compositor Mozart e F. Murray
Abraham como o invejoso Salieri, sobre os últimos anos da vida de
Mozart, tendo como pano de fundo o despotismo esclarecido do imperador José II, da Áustria, e as intrigas entre os partidários do absolutismo tradicional e os adeptos das idéias iluministas.
Fechando essa época, a Revolução Francesa é abordada em "Danton, O Processo da Revolução", do polonês Wajda, com Gérard Depardieu no papel título, numa visão democrática e pessoal do diretor, sobre o líder jacobino guilhotinado no período do Terror, e também em "Casanova e a Revolução" ou "A Noite de Varennes"
(existem os dois títulos em português para o mesmo filme), de Ettore
Scola, com Marcello Mastroianni como Casanova, o célebre conquistador,
então envelhecido, durante uma ficção criada em torno da fuga do rei Luís XVI e sua prisão em Varennes, fato capital para explicar uma derrapagem e radicalização do processo revolucionário.
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