Aprovação de nova lei da terceirização será 'um desastre', diz economista. Projeto de lei que pretende regulamentar terceirização no Brasil 'é solução para empresários e grupos econômicos; em hipótese alguma é uma solução para trabalhadores e para a classe trabalhadora'
De volta à agenda do Congresso depois de dois anos, o Projeto de Lei 4330,
que propõe regulamentar a terceirização no Brasil, teve seu texto
principal aprovado pela Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira (8
de abril), por 324 votos a favor, 137 contra e duas abstenções.
Marilane Teixeira cursa doutorado em Economia Social na Universidade
de Campinas – Unicamp e atua como assessora técnica da Confederação
Nacional do Ramo Químico – CNQ, e há anos acompanha a discussão sobre o
tema no país.
Em entrevista, Marilane explicou que caso o PL seja aprovado, há a
expectativa de que seja vetado pela presidenta. Entretanto, pontua, “ela
pode vetar tudo ou partes do PL. De todo modo, ele voltaria para o
Congresso em caráter de urgência e o veto ainda pode ser derrubado.”
Ela informa ainda que as centrais sindicais, juntamente com o
Ministério da Justiça, o Ministério do Trabalho e a Secretaria de
Assuntos Estratégicos, elaboraram um projeto de lei que está parado na
Casa Civil desde 2009, a partir de cinco pressupostos: a proibição da
terceirização na atividade-fim; a responsabilidade solidária; a questão
dos mesmos direitos do local de trabalho; a prevalência da negociação
coletiva mais favorável ao trabalhador; e a representação sindical por
atividade, ou seja, pela atividade econômica preponderante. “Já
pressionamos o governo para enviar o projeto para o Congresso, mas o
governo, em algum momento, decidiu que esse tema deveria ser tratado a
partir da relação entre capital e trabalho, e que o Estado não iria se
envolver diretamente em uma proposta de regulação pública para uma
legislação para o tema”, lamenta. E acrescenta: “Nós já
encaminhamos vários pedidos, apelamos à presidenta e a vários ministros
para que o projeto fosse aprovado, mas continua parado”.
Marilane Teixeira alerta que se o PL 4330 for aprovado “quem é
efetivo hoje poderá virar terceirizado amanhã, e quem está entrando no
mercado de trabalho vai entrar pela porta da terceirização. Ou seja, nós
podemos chegar a uma situação em que a empresa será um ambiente onde
não precisará haver um trabalhador efetivo, será um conjunto de
trabalhadores prestadores de serviços vindos de diferentes atividades
econômicas e categorias profissionais”.
Leia a seguir trechos da entrevista:
Por que o PL 4330 voltou à agenda do Congresso? Como a
possibilidade de aprovação do PL está repercutindo entre as centrais e
os trabalhadores, neste momento em que o governo está em crise?
O PL voltou à pauta em fevereiro, quando foi desarquivado pelo
deputado Arthur Maia (SD-BA), e pelo presidente da Câmara, atendendo a
pedidos dos opositores do Projeto de Lei. Nesse contexto, têm acontecido
nos últimos meses várias movimentações em relação a como barrar o PL.
Eu faço parte de um fórum contra a terceirização, criado em 2011, que
agrupa as centrais sindicais, entidades do direito do trabalho e
pesquisadores acadêmicos. Nós realizamos uma reunião com o ministro
-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Miguel Rossetto, em janeiro,
na tentativa de propor ao governo que retirasse o projeto do Legislativo
e o trouxesse para o Executivo, formando uma comissão quadripartite
para restabelecer o diálogo em relação aos temas mais polêmicos do
projeto: a explicitação de que a terceirização pode ser aplicada para
todos os setores e atividades econômicas de forma irrestrita, a questão
da responsabilidade subsidiária, a questão de igualdade de direitos.
À época o ministro se comprometeu a tentar, numa negociação com o
Congresso, tirar o projeto da pauta. Mas como sabemos, o governo está
tendo dificuldades nas negociações com o Legislativo e o Executivo. Além
da crise do governo, há um problema em relação ao perfil do Congresso,
que é conservador. Então, o ambiente para discutir a questão da
terceirização já era difícil na composição anterior, e agora aumentou
enormemente, porque a bancada ligada ao capital privado e aos
empresários é muito grande.
O Congresso é impermeável ao tema da terceirização, porque ele não se
sensibiliza com as causas dos trabalhadores. Nesse contexto, as
centrais sindicais, a CUT, a intersindical, a Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil – CTB têm sido mais incisivas em se opor ao
projeto, juntamente com o fórum.
Arthur Maia, relator do projeto, começou a procurar as centrais
sindicais para discutir o projeto de lei. Sua intenção é apresentar um
relatório que incorpore as demandas das centrais sindicais a fim de
apresentar em plenário um projeto construído “em consenso” com elas. Há
duas semanas ele começou a fazer esse diálogo, e na ocasião disse que
não iria procurar a CUT, porque já sabia da posição da Central. No dia
31 de março ele fez uma reunião com todas as centrais sindicais em
Brasília, e a CUT também foi convidada. O quadro está muito difícil,
porque quatro centrais sindicais expressaram apoio ao projeto: a Força
Sindical, a Central dos Sindicatos Brasileiros – CSB, a União Geral dos
Trabalhadores – UGT e a Nova Central Sindical. As únicas que se
mostraram completamente contrárias ao PL foram a CTB e a CUT.
Por quais razões as demais centrais se posicionaram favoráveis?
Elas se posicionaram favoráveis, mas com ressalvas. Esses processos
de discussão e de propostas sempre são dinâmicos. Então, na reunião do
dia 31 as centrais apresentaram apoio com ressalvas em relação à questão
da representação sindical pela categoria profissional da contratante e
com ressalvas à questão da negociação coletiva. Na reunião, Paulinho,
que era representante da Força Sindical, apresentou três emendas.
A primeira é que a entidade sindical deve ser comunicada com dez dias
de antecedência sobre a possibilidade de contratar prestação de
serviço. Isso é uma bobagem, porque comunicar com dez dias significa
simplesmente comunicar; isso significa que não se submete a contratação a
uma discussão anterior com a entidade sindical. A segunda diz respeito
ao fato de que se a prestadora de serviço for da mesma categoria
profissional da contratante, o trabalhador seria representado pelo
sindicato da categoria da contratante e seria contemplado pelo acordo
coletivo, porque pertence à mesma atividade econômica.
Essa é outra bobagem, porque já é assim que funciona; ou seja, se uma
empresa metalúrgica contrata o serviço de uma empresa de autopeças, a
empresa de autopeças já é representada pelo sindicato dos metalúrgicos. O
que não se discute é que a atividade terceirizada é feita por empresas
que prestam serviço de outras atividades econômicas. O problema não é
ter o direito à mesma convenção coletiva. Tem de se compreender que o
local de trabalho pode apresentar especificidades, então, a empresa pode
ter um salário totalmente diferenciado, direitos próprios conquistados
no local de trabalho e nada disso é incorporado por essas duas propostas
de emenda.
As centrais que sinalizaram acordo em relação à aprovação do projeto
de lei tiveram prazo até 03 de abril para apresentar suas propostas. Mas
Arthur Maia deixou muito claro que não tem acordo em relação ao tema da
restrição à terceirização na atividade-fim. Então, não se tem diálogo
sobre um dos aspectos mais importantes a ser alterado no PL, que é
justamente a proposta irrestrita de terceirização. Ele sinalizou que
pode discutir talvez a responsabilidade solidária, a representação
sindical, mas isso não significa que ele vai incluir essas questões no
relatório final, porque ele está representando interesses de setores
econômicos.
Alguns aspectos do projeto, que evidentemente não há nenhuma
possibilidade de serem alterados, a saber, a restrição da terceirização
apenas na atividade-meio, a responsabilidade solidária e a igualdade de
direitos ao local de trabalho, são os pressupostos com os quais a CUT, a
CTB e o fórum vêm tentando negociar.
Além disso, alguns ministros têm, em função das medidas provisórias,
se reunido com as centrais sindicais. Numa reunião que ocorreu no dia 25
de março o tema foi pautado e o ministro Rossetto se comprometeu em
tentar retirar do Congresso o projeto da terceirização, trazê-lo para
dentro do Executivo e criar uma comissão quadripartite. Essa tentativa
está sendo buscada. Estamos tentando costurá-la.
Como foi a reunião com o ministro Rossetto no dia 06 de abril?
O ministro explicou que o governo tem uma posição crítica em relação
ao conteúdo do PL, reconhece que o projeto além de ser precarizador,
pode disseminar um processo de multiplicação de contratação a partir de
pessoas jurídicas e isso tem um impacto objetivo sobre as contas
públicas, sobre o recolhimento do INSS, do fundo de garantia, sobre a
renda de trabalho, porque qualquer emprego via terceirização implica em
redução da renda. Então, o governo está preocupado com a possibilidade
de aprovação do projeto e está se empenhando em retomar a promessa junto
às centrais sindicais, de retirar o projeto do caráter de urgência em
que ele está colocado e de retomar a proposta de uma comissão
quadripartite.
Concorda que a pressa tem o objetivo de evitar que a decisão
acabe partindo do Judiciário? O que deve acontecer caso o PL acabe no
Judiciário?
No Direito do Trabalho, nos estados e no Tribunal Superior do
Trabalho – TST, há um conjunto de juízes e magistrados muito sensíveis a
esse tema, defendendo uma legislação mais protetora do trabalho. Essa
defesa tem representado condenações milionárias a empresas que já
tiveram de pagar mais de dois bilhões de reais por conta de
terceirização irregular, como aconteceu com a Cenibra, de Minas Gerais. A
empresa, inclusive, recorreu dessa decisão pedindo que o Supremo
Tribunal Federal – STF julgue o caso e que o resultado do julgamento
sirva para todas as decisões dos Tribunais em relação ao tema.
Esse caso também foi um desastre para nós, porque a composição do STF
é totalmente desfavorável para as causas trabalhistas, e um julgamento
pelo STF também seria ruim, ainda mais com repercussão geral, porque aí
os Tribunais gerais teriam de se submeter a essa decisão, e obviamente a
decisão seria desfavorável para nós, reconhecendo que a prática da
empresa de terceirizar a atividade-fim não é uma prática condenável.
Por conta desse caso, as entidades sindicais e organizações do
trabalho entraram com uma ação no STF para provar que a prática da
terceirização, como estava sendo realizada, ia contra os preceitos
constitucionais da igualdade e direito no trabalho, que são preceitos
fundamentais do Direito do Trabalho e da Constituição.
Para nós, também não é conveniente que o STF se posicione sobre esse
tema. Os empresários, obviamente, preferem que o PL seja aprovado no
Congresso; eles estão muito incomodados porque tem uma quantidade enorme
de processos correndo nos tribunais e uma série de ações no Ministério
Público, condenando as empresas com base na jurisprudência 331, que
orienta as decisões nos tribunais. A 331 é muito clara ao proibir a
terceirização na atividade-fim, e o que as empresas têm permitido é a
prática da terceirização na atividade-fim.
Neste contexto atual, as empresas se sentem inseguras em relação ao
quanto elas podem terceirizar, porque elas querem terceirizar tudo. Só
que existem amarras, existe uma jurisprudência que impede isso. Elas
estão sendo condenadas, estão tendo que pagar passivos enormes e querem
aprovar um projeto de lei para se sentirem seguras e poderem terceirizar
todos os tipos de atividades. O problema é que com a aprovação da PEC
4330 a prática da terceirização ocorrerá de forma irrestrita. Ou seja,
todos os trabalhadores que já trabalham como terceirizados, que sonham
com a possibilidade de se tornarem trabalhadores efetivos, não terão
essa oportunidade. Quem é efetivo hoje poderá virar terceirizado amanhã,
e quem está entrando no mercado de trabalho vai entrar pela porta da
terceirização. Ou seja, nós podemos chegar a uma situação em que a
empresa será um ambiente onde não precisará haver um trabalhador
efetivo, será um conjunto de trabalhadores prestadores de serviços
vindos de diferentes atividades econômicas e categorias profissionais.
Se isso acontecer, os trabalhadores perderão a identidade enquanto
trabalhadores, perderão o vínculo de solidariedade, as relações de
pertencimento, o local de trabalho, as relações de classe, a
representação sindical. Além disso, os rendimentos serão reduzidos,
direitos serão rebaixados.
É possível pensar em um projeto de lei adequado para
regulamentar a questão da terceirização, sem causar prejuízo ao
trabalhador?
Claro, nós trabalhamos com uma regulamentação. Defendemos um projeto
que tenha cinco pressupostos: a proibição da terceirização na
atividade-fim; a responsabilidade solidária; a questão dos mesmos
direitos do local de trabalho; a prevalência da negociação coletiva mais
favorável ao trabalhador; e a representação sindical por atividade, ou
seja, pela atividade econômica preponderante, que é completamente
diferente do que se está discutindo agora.
Há um projeto, que está na Casa Civil, que tem todos esses
pressupostos e que foi elaborado em 2009, junto com centrais sindicais,
Ministérios da Justiça, Ministério do Trabalho e Secretaria de Assuntos
Estratégicos. Já pressionamos o governo para enviar o projeto para o
Congresso, mas o governo, em algum momento, decidiu que esse tema
deveria ser tratado a partir da relação entre capital e trabalho, e que o
Estado não iria se envolver diretamente em uma proposta de regulação
pública para uma legislação para o tema.
Nós já encaminhamos vários pedidos, apelamos à presidente e a vários
ministros para que o projeto fosse aprovado, mas continua parado. A
estratégia do governo é: “negociem e tentem esgotar todas as possibilidades, e melhorar o projeto no que for favorável”.
Contudo, neste contexto favorável aos empresários no Congresso, Arthur
Maia não tem absolutamente nenhuma sensibilidade para incorporar
qualquer aspecto no projeto que favoreça os trabalhadores e devolva os
direitos.
Qual é o impacto da terceirização para o mercado de trabalho brasileiro, caso o projeto seja aprovado?
Aumentará esta forma de contratação, sem dúvida nenhuma. Hoje já se
estima que há entre 12 e 15 milhões de trabalhadores terceirizados. Para
mim, este é um cálculo rebaixado; imagino que o número seja muito maior
e vai crescer, porque vai dar segurança jurídica às empresas para
terceirizar mais e mais. Certamente a prestação de serviços vai crescer
na área de atividade-fim. Hoje esta prática prevalece na atividade-meio,
mas vai adentrar todos os processos produtivos, vai representar o
rebaixamento de direitos, porque normalmente os contratos de trabalho
estão vinculados a empresas prestadoras de serviços que já têm pisos
salariais menores e menos direitos constituídos e conquistados na
convenção coletiva. Isso pode representar uma queda enorme dos
rendimentos médios reais dos trabalhadores. Vai ser um desastre do ponto
de vista do mercado de trabalho.
Qual é a relação entre a terceirização e a precarização do trabalho?
A relação é direta, porque o trabalhador terceirizado tem uma
rotatividade maior e permanece no local de trabalho metade do tempo de
um trabalhador efetivo. Além disso, ele está sujeito a condições de
trabalho mais precárias, inclusive a acidentes de trabalho. A maioria
dos acidentes de trabalho e acidentes de trabalho fatais em grandes
empresas, como a Petrobras e empresas do setor elétrico, estão
relacionadas com trabalhadores prestadores de serviços, todos associados
com trabalhadores de empresas terceirizadas. Então, o descuido, a falta
de atenção, a falta de treinamento e de condições de trabalho para os
terceirizados ainda é muito maior, porque a empresa que presta serviço
não dá treinamento adequado e a empresa que contrata não está preocupada
com isso, e sim com que a pessoa, durante o serviço, cumpra com o
contrato. Mas as condições em que isso será realizado, com que perfil de
trabalhador isso será feito, pouco interessa.
A contratação pode se dar tanto pela prestação de serviços como pela
disseminação de pessoas jurídicas. Profissionais liberais, como
advogados, contadores, economistas, profissionais da área de
telecomunicações, são convidados a rescindir seus contratos, a romper
seus vínculos de trabalho e a abrir uma empresa para prestar serviços
para empresas. Nessa nova condição, eles trabalham 12, 14 horas por dia,
com salários muito menores.
Os empresários argumentam que com a terceirização aumentará a oferta de emprego. Como interpreta essa afirmação?
Vivemos hoje uma situação de quase pleno emprego. Mesmo com o advento
da propagada crise econômica, ainda não há estatísticas de aumento de
desemprego. Se o desemprego ocorrer hoje, será determinado pela ausência
de crescimento econômico e pelas medidas de ajuste fiscal que têm um
caráter contracionista que não impulsiona a atividade econômica. Os
problemas no mercado de trabalho não se resolvem na forma de
contratação, pois a crise de emprego é decorrente do baixo dinamismo
econômico.
Caso o projeto de lei da terceirização seja aprovado, as empresas
irão eliminar os postos de trabalhos efetivos e irão contratar um
prestador de serviço que fará o mesmo trabalho, provavelmente com
salário menor.
Como funciona a legislação sobre terceirização em outros países?
O Brasil é um dos poucos países que realmente não tem legislação.
Recentemente, há dois anos, foi aprovada uma legislação no México, muito
semelhante a que está sendo proposta no Brasil, e ela representou um
desastre do ponto de vista do trabalhador. O setor bancário, por
exemplo, foi um dos setores mais afetados pela nova legislação, que
aniquilou com a categoria. Em outros países, como a Colômbia, a
Argentina e o Uruguai, a mudança não representou melhoria nas condições
de trabalho, não implicou aumento de empregos.
De modo geral, o fato de terem sido regulamentados alguns aspectos
relacionados com a contratação das prestadoras de serviços não
representou em hipótese alguma a ampliação de direitos e melhoria das
condições de trabalho nesses países. As soluções no mercado de trabalho
não podem ser vistas a partir do próprio mercado de trabalho. Essa é uma
solução para os empresários, para os grupos econômicos; em hipótese
alguma é uma solução para os trabalhadores e para a classe trabalhadora.
Patrícia Fachin, Instituto Humanitas Unisinos
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