PROFESSORA ANDRÉA

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Filme na aula de História: diversão ou hora de aprender?

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O cinema aproxima os alunos de situações, pessoas, cenários e sons do passado e do presente. Mas é preciso saber explorar esse importante recurso pedagógico para que a aula não seja simplesmente uma sessão pipoca e caia no vazio

 

Manhã de 12 de outubro de 1492. Depois de dias navegando em alto-mar, as naus de Cristóvão Colombo chegam às terras americanas. A expressão no rosto dos marinheiros é marcante: alegria, euforia e alívio se misturam com suor e cansaço. Bandeiras amarelas e vermelhas - as cores da coroa espanhola - são asteadas e balançam ao vento, enquanto os homens se jogam na praia. Colombo, exausto, pisa triunfante na areia até cair de joelhos, e olha para o céu. A trilha sonora arrepia e completa a cena épica.

Qual a diferença entre uma aula de História que utiliza o filme 1492 - A Conquista do Paraíso, do diretor inglês Ridley Scott, para tratar do descobrimento da América e outra que descreve o fato apenas de forma expositiva? A primeira opção é muito mais interessante para os alunos, mas a garantia de que eles aprenderão o conteúdo depende da maneira como o professor aproveita o filme. A exibição de filmes em classe pode ser um momento de crítica e aprofundamento do tema ou uma simples sessão da tarde, pura diversão para a turma. "As imagens não podem ser utilizadas como ilustração de uma aula e muito menos substituir o discurso do professor. Quando isso acontece, a informação cai no vazio, os alunos não aprendem nada e se perde uma oportunidade maravilhosa de ensinar", afirma Gerson Egas Severo, professor de História da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), de Erechim (RS).

Não se trata de pôr em segundo plano a leitura e a escrita, mas de incorporar um meio que facilita muito a aprendizagem e coloca o aluno em contato com uma nova maneira de pensar e entender a história.

Cinema só têm sentido no ensino com a intervenção do professor

A imagem é hoje um dos mais importantes meios de comunicação e é inegável que a tecnologia vem provocando alterações nas formas de pensamento e de expressão. Basta pensar na influência da TV na vida atual. Nas décadas de 1950 e 1960, o pensador Célestin Freinet (1896-1966) já discutia a necessidade de o professor reconhecer e utilizar esses recursos: "A desordem cultural persistirá enquanto a escola pretender educar as crianças com instrumentos e sistemas que tiveram validade há 50 anos. (...) Subsistirão as lições, os braços cruzados, as memorizações, enquanto fora da escola haverá uma avalanche de imagens e de cinema".

Para o professor Severo, que estudou o potencial educativo dos filmes, é primordial aproveitar os meios visuais — marca do século 20 — para dar sentido aos conteúdos de História. "Nenhuma imagem fala por si só. Para que ela seja realmente útil na aprendizagem, é essencial a intervenção do professor", explica. Isso vale não só para o cinema mas também para a TV e os computadores.

O professor de História Alex Rufino tem consciência da importância de educar os alunos na linguagem audiovisual, enquanto explora os conteúdos de História. Lecionando na periferia, na Escola Estadual Presidente Médice, em Cuiabá, percebeu que seus alunos tinham pouca oportunidade de ir ao cinema. Há quatro anos, o professor teve a idéia de implantar o projeto Cinescola para resolver essa carência e melhorar o desempenho dos alunos de 8ª série e Ensino Médio em sua disciplina. Mas não foi fácil, pois a escola só tinha uma TV e um videocassete antigos. Alex conseguiu a parceria da secretaria de educação do Mato Grosso, que cedeu um telão, e o apoio de locadoras para não ter custo no aluguel das fitas. A exibição dos filmes acontecia sempre aos finais de semana para toda a comunidade. Um dos resultados do projeto foi a diminuição da violência na escola. "É um trabalho duro, mas muito compensador. Os alunos passaram a assistir aos filmes com outros olhos e a aprendizagem deu um salto. Eles gostam de História!", explica. Em 2003, o Cinescola ganhou prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como experiência inovadora em educação.

Se um filme fosse feito pelos índios, Colombo seria herói ou vilão?
Será que a chegada de Cristóvão Colombo às terras americanas foi asssim tão triunfal, como conta o filme do diretor Ridley Scott? Quantos homens, de fato, participaram dessa expedição marítima? Será verdade que Colombo teve um relacionamento íntimo com a rainha Isabel da Espanha, como sugere essa história? O lugar em que foram rodadas as cenas é o mesmo onde aportou o aventureiro?

O primeiro ponto a se levantar em uma aula de História é que tanto os filmes quanto os documentos são representações da realidade. O filme é uma visão particular do roteirista e do diretor, que se baseiam em fatos históricos. Para isso, selecionaram e interpretaram as informações que quiseram. O mesmo se dá na escolha e edição das cenas. Os sons e as imagens têm exatamente essa finalidade — criar a sensação de que estamos assistindo algo verdadeiro. Basta imaginar como seria uma grande produção cinematográfica do ponto de vista dos índios. Colombo seria retratado como herói ou vilão?

"Mesmo não tendo comprometimento com a realidade, um filme de ficção pode refletir de forma imediata a mentalidade de um povo, seus valores e comportamentos", explica Antônio Reis Júnior, professor de História e coordenador do projeto de cinema e educação da organização não-governamental (ONG) Ação Educativa, em São Paulo. O mesmo acontece com os documentários, um gênero perfeito para as aulas de História de turmas de 5ª a 8ª série. Apesar de parecerem mais fiéis à realidade, os documentários também merecem a mesma análise crítica dos filmes de ficção.

O professor dá uma dica: os curta-metragens são os mais indicados para utilizar em sala de aula devido ao tempo de exibição. O problema é que eles nem sempre estão disponíveis nas lojas. Vale uma pesquisa na locadora mais próxima!

Como aproveitar as fitas no ensino e melhorar o desempenho dos alunos


Há tempos a professora de História Maria Aparecida Pinho Cabral de Medeiros, do Colégio Augusto Laranja, em São Paulo, tem um olhar crítico e atento às possibilidades de uso dos filmes. No ano passado, durante um trimestre, o tema de suas aulas na 7ª série foi a Idade Média. Para começar, Cida, como é conhecida na escola, utilizou o quadro-negro e seus conhecimentos teóricos sobre o assunto para explicar esse período. Mas era preciso uma estratégia de ensino para aumentar o interesse da turma pelas aulas.

Os estudantes pesquisaram na internet, mas ao assistir ao filme de aventura Coração de Cavaleiro, de Brian Helgeland, conheceram mais a fundo como se davam as relações entre o clero, a nobreza e os camponeses. "Os alunos ficaram impressionados com os trajes medievais e descobriram a dureza da vida naquela época. Essa impressão e esse conhecimento só são possíveis com o cinema", conta Cida. Para exibir o filme, que tem 132 minutos, foi preciso que outros professores cedessem suas aulas para a professora. Mas o projeto não parou por aí. Leitura e produção de textos foram explorados em Língua Portuguesa quando os alunos tiveram que produzir contos de cavalaria. Será que um nobre poderia se casar com uma camponesa? Por quê? O que aconteceria com um cavaleiro que discutisse com um padre? Essas questões foram levantadas e pesquisadas em livros para a construção das histórias.

Um filme deve ser exibido na íntegra ou em algumas partes que interessem à aula?
Para Flávio Trovão, professor de História da Faculdades do Brasil (UniBrasil), em Curitiba, um filme não precisa ser passado na íntegra para a classe, apenas quando os alunos pedem. "Há o risco de o professor gastar mais de uma aula com a exibição e o aluno não entender aonde ele queria chegar", conta o professor. Trovão, que tem experiência no Ensino Fundamental, seleciona as cenas mais importantes para o conteúdo que está trabalhando e outras vezes parte do filme para iniciar uma discussão ou um tema novo. Antes da exibição, distribui um roteiro de perguntas que serve para orientar os alunos. Do que trata o filme? Onde se desenvolve a maior parte das cenas? Que cenas mostram conflitos? Qual a mensagem?

Veja algumas dicas de Trovão para preparar a aula:

● Assista ao filme mais de uma vez e veja se é preciso passá-lo na íntegra ou apenas partes selecionadas.

● Observe se existem cenas desapropriadas para a faixa etária dos alunos.

● Deixe claro para a turma que o filme representa um episódio histórico, mas não é a realidade.

● Prepare um roteiro de perguntas e alerte os alunos para perceberem os conflitos, o tema e personagens.

● Deixe claro que o filme na escola é um recurso didático e uma forma de conhecimento, e não mero entretenimento ou uma maneira de "matar a aula".

O cinema no ensino pode ser usado para:

● Iniciar a discussão de um assunto ainda não abordado. Lance uma questão a ser investigada.

● Desenvolver o conteúdo. O aluno deverá perceber o contexto histórico a que o filme se refere, o que ele está mostrando, que fenômenos e fatos são retratados. Nesse caso, o aluno já possui referências sobre o tema.

Em ambas situações, explore a estrutura narrativa e como ela foi desenvolvida no filme.

Professores fazem seu próprio filme para contar a história do bairro
Quando o assunto é história do Brasil, o cinema produzido no país pode representar melhor que qualquer outro a sociedade e a cultura. É isso o que defende a Ação Educativa, que há quatro anos desenvolve acervos de videoteca em escolas da zona leste de São Paulo e cursos de leitura do audiovisual. "O professor precisa valorizar seu papel para utilizar corretamente o cinema. Ele não pode ser um coadjuvante", afirma Alexandre Kishimoto, um dos coordenadores do trabalho.

Inês Silva dos Santos e Josafá Pereira da Silva, professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Antonio Carlos de Andrada e Silva, aproveitaram a oportunidade e viraram cineastas. Com câmeras, luzes e microfone em punho (a ONG disponibiliza o material), saíram pelas ruas de São Miguel Paulista em busca de ex-funcionários de uma antiga fábrica do bairro. Hoje, metade dela está desativada e sob escombros, mas na memória dos moradores as imagens do movimento dos trabalhadores no entra-e-sai da fábrica ainda existe. Zita Carlos da Silva, ex-funcionária da empresa, hoje vive do comércio informal, mas não esquece dos benefícios quando tinha carteira assinada. Ela nunca mais conseguiu um emprego. "A idéia é contar uma história que não passa nas telas do cinema, mas que faz parte da vida dos alunos. Muitos pais têm a mesma trajetória de Zita", explica o professor e idealizador do filme.

Mais que recurso para a aprendizagem, o filme Quimo-Memória denuncia a destruição da arquitetura e da memória fabril de São Paulo. O trabalho ainda não está finalizado, mas em breve será material didático para explorar temas como industrialização, urbanização, movimentos migratórios e Segunda Guerra Mundial. Isso mesmo, Segunda Guerra Mundial! Um dos entrevistados pelos professores revelou que a antiga indústria produzia pólvora nas décadas de 1930 e 1940, contribuindo para o conflito mundial. Logo, os alunos terão acesso aos movimentos históricos de sua comunidade, poderão entender mais facilmente as tramas e os fatos que compõem o passado e o presente e, principalmente, se enxergar como agentes da história pelas lentes de seus professores.

 

Fonte:http://revistaescola.abril.com.br/formacao/filme-aula-historia-423034.shtml 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

DOCUMENTÁRIO: Zika Vírus, a origem de uma epidemia

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qMZCQ3ZeAWk

A origem do zika vírus: conheça o histórico do vírus

Entenda como o zika vírus se espalhou pelo mundo Rafaela Martins/Agencia RBS

No continente africano, onde a humanidade teve sua origem, reino da diversidade, busquemos fazer um esforço para tentar imaginar uma floresta onde macacos vivem em harmonia com a natureza e entram em contato com agentes microscópicos por meio da picada de mosquitos – esses sem lhe causar mal algum. Este lugar é a Floresta de Zika, em Uganda.

Em 1947, foi identificado entre os primatas dessa floresta um vírus transmitido por meio de relação sexual e, principalmente, pela picada de mosquitos irmãos do nosso velho conhecido Aedes aegypti, muito parecido com o que transmite a dengue ou a febre amarela urbana.

Em algum momento impreciso do final da primeira metade do século XX, o homem entrou nesse ciclo aparentemente harmônico entre macaco e vírus e passou a ser o que chamamos de hospedeiro acidental. Foi assim com o Zika e outras doenças infecciosas como malária, febre amarela e doença de chagas.

Elas são resultado do avanço do homem sobre a natureza, assim como do modelo hegemônico de convivência nas sociedades modernas que gerou os grandes conglomerados urbanos repletos de desigualdades, que propiciam um novo ciclo entre homem e mosquito transmissor mantendo a circulação viral dessa arbovirose e a perpetuação dessas doenças.

Diferentemente do macaco, no homem, o Zika causa doença e complicações ainda pouco conhecidas. A doença já foi identificada na África, no Sudeste Asiático, em Ilhas do Pacífico e aportou na América do Sul provavelmente pelo Oceano Pacífico, em 2014. Há registros de casos no Brasil na época da Copa do Mundo, porém foi só em 2015 que foi confirmado o primeiro caso de transmissão ocorrida dentro do País, na região Nordeste.

Por conta dos aglomerados populacionais em condições sanitárias frágeis somado à presença maciça do vetor, que também transmite a dengue, o Brasil constitui-se como um celeiro propício para a consolidação do Zika como problema de saúde pública.

O período entre a aquisição do vírus por meio da picada do Aedes aegypti e o aparecimento dos sintomas varia entre 3 e 12 dias, sendo que apenas uma em quatro pessoas irão desenvolver sintomas da doença. Por apresentar os sintomas muito similares aos da dengue, mas com duração mais curta, a infecção pelo Zika foi sempre de difícil confirmação desde os primeiros casos na África. Febre baixa, dores musculares, dor de cabeça, inflamação nos olhos e manchas na pele, chamadas de exantema – quadro clínico de difícil diferenciação com a dengue e similar a um quadro de alergia por também atingir a pele e os olhos.

Dado o período curto de sintomas e a falta de exames confirmatórios disponíveis, a suspeita diagnóstica deve ainda levar em conta a realidade local da ocorrência da doença e também considerar os determinantes sociais como pobreza, déficit de saneamento básico e oportunidade de acesso rápido e de qualidade à saúde. Assim, o diagnóstico do Zika ainda é um desafio para os serviços de saúde, apesar da evolução benigna dos seus sintomas.

O Brasil, a despeito do SUS ainda estar em construção e com inúmeras demandas assistenciais, tem conseguido estabelecer associações entre a infecção pelo Zika e complicações como a microcefalia e a Síndrome de Guillain-Barré. Esta última é uma doença caracterizada pelo acometimento dos nervos periféricos das pernas e dos braços que leva à fraqueza progressiva, dificuldade de movimentação dos membros, podendo levar inclusive à paralisia das pernas principalmente.

O Zika e a resposta inflamatória que nosso corpo produz ante ao vírus podem causar lesões nos nervos caracterizando a Síndrome de Guillain –Barré. São manifestações que se iniciam cerca de sete dias após a remissão dos sintomas da infecção.  Sabemos que assim como o vírus da dengue, o Zika tem o que chamamos de tropismo, ou afinidade, pelos nervos do nosso corpo e, portanto, causa esses danos neurológicos. Dessa forma, presenciamos uma realidade nova em termos de saúde pública, uma doença com complicações ainda pouco conhecidas e potencialmente limitantes.


Relação com a microcefalia

Microcefalia é a anomalia congênita em que o cérebro não se desenvolve adequadamente. As fontanelas (conhecidas como moleiras) se fecham precocemente impedindo o cérebro de crescer e se desenvolver e, como resultado, o perímetro da cabeça fica menor que o normal.
Ela é diagnosticada quando a circunferência da cabeça é menor do que o esperado para idade gestacional, tempo de vida e sexo. Pode ser de causas familiares, defeitos congênitos, síndromes genéticas, exposição a toxinas e a agentes infecciosos na gestação. No caso das infecções congênitas, o agente pode causar poucos ou nenhum sintoma na gestante, mas afetar de diversas maneiras a formação do bebê.

De acordo com os estudos realizados até agora, o Zika vírus parece estar nessa categoria, por esse motivo, só houve atenção maior à doença após o nascimento dos bebês. A menos que a microcefalia seja familiar, 90% dos bebês comprometidos tem algum atraso no desenvolvimento neurológico.

A microcefalia é um evento raro, a incidência estimada é de 0,1% de casos graves na população geral. Em outubro desse ano, o estado de Pernambuco identificou 28 casos em poucas semanas, o que chamou a atenção da Vigilância Epidemiológica, que solicitou apoio ao Ministério da Saúde para investigação.

Baseado em uma experiência anterior na Polinésia Francesa, em relatos de aumento de incidência do vírus no Nordeste desde o início do ano, de gestantes com filhos acometidos que referiam febre e exantema na gestação e na identificação do vírus no líquido amniótico de duas gestantes com fetos com microcefalia e que apresentavam história de sintomas sugestivos na gravidez, é forte a suspeita de que o aumento de casos estaria relacionado ao vírus Zika.

A microcefalia relacionada a esse vírus é uma doença nova que está sendo descrita pela primeira vez na história e com base no surto que está ocorrendo no Brasil. Não há tratamento específico para a doença ou vacinas. Desse modo, medidas de vigilância epidemiológica, identificação precoce dos casos e controle do vetor de forma coletiva são importantes.
As medidas de controle individuais são importantíssimas, entre elas os cuidados relacionados à proliferação dos mosquitos nos domicílios, que devem ser mantidos limpos evitando locais em que a água possa ficar parada e funcionem como criadouros, e também deve-se adotar medidas individuais como uso de repelentes, mosquiteiros e inseticidas domésticos.

O mosquito costuma picar no início e no fim da tarde, nesse horário o cuidado deve ser maior, com fechamento e telas nas janelas, uso de roupas de manga longa e repelentes que não devem ser colocados por baixo da roupa, apenas na pele exposta. A Anvisa reforçou que não há qualquer impedimento no uso de repelentes por gestantes desde que sejam seguidas as normas dos fabricantes. A população deve procurar a assistência de profissionais de saúde para saber como e qual repelente usar para cada idade e gestação.

Ainda não há recomendação formal do Ministério da Saúde para evitar a gravidez. Trata-se de uma decisão da família em conjunto com a equipe de saúde que a atende. Apesar disso, alguns especialistas sugeriram esperar a melhor elucidação dos casos para a programação de gravidez neste momento.

Importante também evitar o estigma e dar suporte para as famílias acometidas. Dados do Censo de 2010 demonstraram que 1,4% da população brasileira tem algum tipo de deficiência mental ou intelectual. É preciso dar condições para que essas pessoas sejam incluídas na sociedade com boas condições de vida e de saúde, sem estigma e sem preconceitos.

Infelizmente alguns mitos e boatos como “crianças em coma” após o Zika ou que ele foi trazido pelos imigrantes são difundidos pelas redes sociais e aplicativos de mensagens dos smartphones. É prudente a checagem da informação em fontes confiáveis e reflexão ética se é algo que vale ou não ser passado adiante. A resposta às epidemias deve ser dada com cidadania e responsabilidade, nunca com sensacionalismo e pânico.

No artigo Dengue e Chikungunya, Doenças Socioambientais, mostramos que é inegável a responsabilidade individual de cada cidadão em manter as casas limpas e sem possíveis criadouros, porém é imprescindível que o poder público faça a sua parte por meio de planos diretores que privilegiem a sustentabilidade, coleta regular de lixo, fornecimento regular de água, educação em saúde, entre outros.

Por essas razões, a dengue, o chikungunya e o zika vírus não são apenas um problema de saúde, mas verdadeiras doenças socioambientais. Problemas complexos, em regra, exigem soluções integradas e participativas e medidas de prevenção a médio prazo envolvendo os mais diversos setores.

*Fábio Miranda Junqueira, Maria Carolina Pereira da Rocha e Paulo Abati são médicos infectologistas e docentes na Faculdade de Medicina da PUC-SP



A verdade sobre a história de Cleópatra

Novos estudos mostram que Cleópatra não era devassa, não morreu picada por uma cobra, era piadista, ótima estrategista... E estava longe de ser bela

Todos na cidade mediterrânea de Tarso já tinham ouvido os rumores. Fofoca sempre correu rápido. Por isso, uma multidão cada vez maior aglomerava-se nas margens do rio Cidno, em 41 a.C., para assistir ao espetáculo que, afinal, foi um dos mais incríveis da Antiguidade. Em meio a uma explosão de aromas e cores de nuvens de incensos, uma barcaça de popa dourada e velas púrpura, com dezenas de remos de prata, subia calmamente pelas águas turquesa. A batida dos remadores marcava o ritmo para a orquestra de flautas, gaitas e liras no convés. Lindas mulheres vestidas de ninfa trabalhavam no leme e nas cordas. Uma escolta de navios de suprimentos seguia atrás, levando louças de ouro, tapeçarias, joias caríssimas.

Reclinada sobre um divã e abanada por graciosos meninos, vinha uma mulher de 28 anos, ornada como a Vênus de uma pintura. Era, talvez seja desnecessário dizer, a pessoa mais rica do Mediterrâneo. E também articulada, carismática, fluente em nove línguas, versada em política, diplomacia e governo, estrategista militar. Não exatamente bonita, mas dona de um grande senso de humor e de muito charme. Conquistava quem quisesse. O espetáculo era para seduzir mais um - que, a bem da verdade, estava longe de ser qualquer um. Afinal, Cleópatra, a rainha do Egito, não podia conhecer o general romano Marco Antônio, recém-convertido em um dos homens mais poderosos do mundo, de qualquer maneira. Esse era seu jeito de fazer as coisas: de forma surpreendente, sim, mas muito eficiente.

Ela teve uma das pós-vidas mais movimentadas da História. "Já virou nome de asteroide, de videogame, marca de cigarro, caça-níqueis, clube de striptease, um esteriótipo... E sinônimo de Elizabeth Taylor", diz (sem citar clássicos, como a peça de Shakespeare), a escritora Stacy Schiff, autora do mais recente livro sobre a monarca, Cleópatra: Uma Biografia.

No futuro, talvez o rosto da egípcia se confunda com o da atriz Angelina Jolie, já que a obra deve virar filme 3D, a ser lançado em 2013. Assim como fez Stacy, o esperado blockbuster promete desmontar vários mitos criados em torno da rainha: os de ser uma libertina e traiçoeira, de ter como principal atributo a arte da sedução e de ter morrido picada por uma cobra, entre tantos outros (embora o da estarrecedora beleza, com Angelina no papel principal, seja mais difícil de ser extinto). O problema de Cleópatra é que sua história foi contada pelos romanos - além de serem seus inimigos, eles acreditavam que apenas os homens podiam ser tão poderosos.

A rainha
A primeira impressão é a que fica. E Cleópatra fascinou Marco Antônio, que acabara de vencer uma guerra civil ao lado de Otaviano contra os assassinos de Júlio César, tio do aliado. O próprio César havia se rendido aos encantos da rainha sete anos antes. O encontro deles, porém, foi mais inusitado. Cleópatra estava exilada no deserto da Síria. No primeiro ano de seu reinado ao lado do irmão e corregente Ptolomeu XIII, com quem se casara aos 18 anos (ele tinha 10) para garantir o trono na capital, Alexandria, em 51 a.C., o Egito sofria com secas e fome. A população se revoltou contra a monarca quando ela financiou uma campanha militar do general romano Pompeu, amigo de seu pai morto. E ela teve de fugir. Pompeu enfrentou justamente César, que, vitorioso, virou o homem forte de Roma e viajou para o Egito. Segundo o historiador da Universidade da Califórnia Stanley Burstein, autor de The Reign of Cleopatra (sem edição no Brasil), Roma precisava do dinheiro do rico país para custear seus altos gastos de guerra. César instalou-se no palácio de Ptolomeu XIII e, numa tentativa de estabelecer a paz egípcia, pediu aos dois irmãos que o encontrassem. Ptolomeu não aceitou e proibiu o retorno de Cleópatra. Ela, porém, ajudada por comparsas, navegou escondida por dias e, em Alexandria, enfiou-se em uma sacola usada para transportar papiros. Assim, foi "despejada" no quarto do cinquentão César. Não se sabe bem o que aconteceu lá. "Seja o que for, Ptolomeu sentiu-se traído ao ver Cleópatra sentada ao lado do romano", diz Burstein. Furioso, mandou cercar o castelo.

O sítio durou seis meses e ajudaria a revelar a visão de estrategista da rainha. Como Duane Roller escreveu em Cleopatra: A Biography (inédito em português), sem apoio popular, Ptolomeu XIII foi preso e sua irmã Arsínoe tomou o trono. Chamado a conversar com César, ele se desmanchou em lágrimas, pediu clemência e comoveu o general. Mas logo acionou suas tropas contra o casal. O teatro não surpreendeu Cleópatra. Ao contrário: ela mesma teria sugerido a César fingir piedade e libertar Ptolomeu, prevendo que, ao insistir nos combates, ele se tornaria ainda mais impopular. A chegada de reforços romanos encerraria a Guerra Alexandrina. Ptolomeu XIII morreu tentando fugir e Arsínoe foi presa - depois seria executada a mando da irmã. Cleópatra terminou a temporada grávida de César. Era o primeiro filho do general, futuro ditador de Roma. O trono, claro, sobrou para Cleópatra, agora casada com seu outro irmão, Ptolomeu XIV. Era a forma que César encontrara "para abrandar a raiva romana por ele próprio estar indo para a cama com ela", afirma Stacy.

Nada poderia ser melhor ao projeto político da faraó do que gerar esse filho, Cesário. "A aliança com César, envolta em sedução e romance, foi, antes de tudo, um ato político bem planejado e de expressivas consequências", afirma Maurício Schneider, doutor em egiptologia pela USP. "A rainha conseguiu vencer a oposição, se firmar no trono e ainda arrastou o romano para seus objetivos imperiais, dando-lhe um filho." (Mais tarde, Ptolomeu XIV seria envenenado e Cesário se tornaria corregente da mãe.) Seu reinado seguiu de vento em popa. Ela governava com pulso firme. "Ministrava a justiça, comandava o Exército e a Marinha, regulava a economia, negociava com poderes estrangeiros e presidia os templos", diz Stacy. Ganhou o apoio dos súditos com a economia próspera e fez crescer também seu patrimônio, herdado da família e construído, sobretudo, em transações comerciais. Por ano, calcula-se, seus rendimentos batiam 15 mil talentos de prata. Um sacerdote, cargo dos mais cobiçados, ganhava 15. Em valores atuais, a fortuna alcançaria 96 bilhões de dólares (quase o valor do orçamento deste ano do governo brasileiro para investimentos). A vida de Cleópatra mudaria quando seu amante foi assassinado pelos senadores romanos, em 44 a.C. Seguiu-se (outra) guerra civil, que terminou anos depois com a vitória de Marco Antônio e Otaviano e a instalação do Segundo Triunvirato. Foi quando a monarca fez sua triunfal apresentação a Antônio - e voltou a ganhar um amante poderoso.

A mulher
Diferentemente do que se imagina, a rainha do Egito estava longe de ser uma devassa. Júlio César foi provavelmente seu primeiro homem, e Antônio, o segundo (e último). Não há registro confiável de outros envolvimentos amorosos. Além de Cesário, ela teve mais três filhos, todos reconhecidos por Antônio: Alexandre Hélio e os gêmeos Cleópatra Selene e Ptolomeu Filadelfo. O relacionamento dos dois foi longo (11 anos) e, de forma geral, divertido. O casal adorava promover grandes banquetes. Eles fizeram um "pacto de boa vida" e apelidaram a si mesmos de Inimitáveis Viventes.

Cleópatra Thea Philipator ("deusa que ama o pai", um dos muitos títulos que se atribuiu) estava acostumada ao luxo e à fartura desde que nascera, em 69 a.C., segunda de cinco filhos (leia à pág. 29). O pai, Ptolomeu XII, ou Ptolomeu Auletes, era provavelmente um filho bastardo, da dinastia ptolomaica ou lagide, descendente do general, provador oficial e amigo íntimo de Alexandre, o Grande. A Ptolomeu I coube o controle do Egito após a morte do macedônio. Era o início da Era Helênica. Para garantir a própria legitimidade e provar sua ascendência divina, os ptolomaicos faziam como os deuses: casavam-se entre eles. Cleópatra, portanto, tinha sangue grego. Não se sabe quase nada sobre sua mãe, que desaparece na primeira infância da menina. Há dúvidas, inclusive, sobre quem ela seria. Criada por babás, a garota cresceu entre políticos e pensadores. Viajava muito com o pai e teve ótima educação. Podia recitar de cor a Ilíada e a Odisseia. Sabia aritmética, geometria, música e astrologia. Formou-se em retórica e aprendeu nove línguas, inclusive hebraico, troglodita (uma língua etíope) e egípcio (coisa que nenhum ancestral seu o fez).


Não se parecia nada (talvez a peruca) com Liz Taylor. "Não há retratos de Cleópatra, a não ser os bidimensionais das moedas que cunhou", diz Roller. "Elas mostram um nariz e um queixo proeminentes, características de família." Segundo o egiptólogo Júlio Gralha, da Universidade Federal Fluminense, isso pode também ser simbólico: ela queria ser vista parecida com os antepassados, de forma a legitimar seu poder. Para compensar a "feiura", era elegante e carismática. "O contato de sua presença, se se convivia com ela, era irresistível", escreveu o filósofo grego Plutarco. "Ela era astuta e inteligente, e isso era grande parte de seu charme", afirma Gralha. Sem contar o senso de humor. "Capaz de fazer os outros rirem mesmo sem querer", resumiu o orador romano Cícero.

Cleópatra foi careca em certos momentos (possivelmente durante as epidemias de piolho). Adepta das tradições locais, nessas ocasiões usava as perucas com as quais sempre foi retratada, embora um modelo com coque fosse mais provável. Costumava associar sua imagem à da deusa Ísis, dominava tratamentos de beleza (adorava os banhos de leite de jumenta) e maquiagem. Segundo Stacy Schiff, ela ainda era fascinada por venenos - estudava muito o assunto, consultava-se com químicos e médicos, sabia as propriedades de cada tipo, quais matavam mais lentamente...

A lenda

É impossível dissociar a história de Cleópatra à de Roma. Na península Itálica, as coisas não iam nada bem entre Otaviano e Marco Antônio. A relação era cordial apenas na aparência - Antônio até se casara com a irmã de Otaviano, Otávia, para tentar fortalecer a aliança. Só que ela degringolou de vez em 37 a.C., quando o general mudou para o Egito para viver com a amante. Lá, continuou a comandar seu exército e a conquistar territórios para Roma. Muitos deles, como a ilha de Chipre, parte do atual Líbano, terras na Líbia e na costa da Turquia modernas, porções de Creta e quase todas as cidades do litoral fenício, Antônio "deu" a Cleópatra - que, assim, dirigiu um território tão grande quanto o do auge da Era Helênica. Otaviano ficou uma fera. Ele tinha outra forte razão para odiar a rainha egípcia: ela era mãe do filho legítimo de César, uma ameaça ao seu poder em Roma. (Além de sobrinho de César, ele fora adotado como herdeiro direto.) Quando Marco Antônio pediu o divórcio de sua irmã, foi a gota d’água.

Otaviano começou então uma campanha contra Cleópatra - e, assim, deu início à série de lendas que surgiriam em torno dela. Na sua versão dos fatos, Antônio era um joguete nas mãos da monarca ardilosa, que pretendia conquistar Roma, como fizera com o general. Em outubro de 32 a.C., declarou guerra à rainha. Ela rumou com o amante para o front militar, na entrada do golfo de Corinto. Os romanos, porém, não aceitaram a presença de uma mulher no acampamento. Muitos desertaram, inclusive homens da confiança de Antônio, o que o deixou abalado. O problema aumentou com a Batalha do Ácio. Cleópatra propôs que, em meio ao confronto, seus navios (carregados com grande parte de seu tesouro) furassem o bloqueio e voltassem para o Egito - seguidos pela frota de Antônio. Quando o vento estava a seu favor, ela cruzou a linha inimiga e o general foi atrás dela, mas seus homens não o seguiram. Provavelmente porque estavam lutando no mar contra a vontade (eles preferiam a terra, Cleópatra insistiu no combate naval) ou porque achavam mais honroso continuar brigando pelo controle de seu país do que seguir uma estrangeira.

O fato é que Marco Antônio foi embora arrasado e seus homens perderam a guerra. "Passou-se quase um ano até que o exército de Otaviano entrasse em Alexandria", diz Stanley Burstein. "No intervalo, Antônio caiu em uma profunda depressão, enquanto Cleópatra eliminava os inimigos suspeitos (de conspirar contra ela e o amante)." A rainha também mandou construir um mausoléu às pressas. E teria iniciado um processo de negociação com Otaviano, oferecendo a abdicação em troca de clemência - o romano até concordava, mas queria a cabeça de Antônio. Nem na tormenta o bom humor do casal se dissipou: continuava a promover bebedeiras. Mas, apropriadamente, a dupla trocou o nome da Sociedade dos Inimitáveis Viventes para Companheiros da Morte. Quando Otaviano finalmente chegou a Alexandria, Cleópatra fugiu para o mausoléu, que já abrigava seu tesouro, e mandou um mensageiro dizer a Antônio que havia se suicidado. Sabia que, assim, ele se mataria também. "É claro que Cleópatra havia cedido ao pedido de Otaviano de sacrificar o amante em troca do Egito", diz Stacy Schiff. "Ela é acusada de tantas traições que é difícil saber como entender essa, talvez a mais humana e menos surpreendente."

Fórmula mortal

Ao saber da notícia, o general enfiou uma espada no peito, mas errou o coração e pediu ajuda dos criados, que o abandonaram. Ele teria descoberto que a monarca não estava morta, arrastou-se até o mausoléu e foi içado para dentro. Desesperada, Cleópatra teria gritado e esmurrado o próprio peito, enquanto Antônio morria em seus braços. Os homens de Otaviano invadiram o local em seguida e a prenderam. Dias depois, ela tomou veneno. A cobra que a teria picado é uma invenção, fruto da "conveniência metafórica" - o animal era símbolo do poder dos faraós. Pesquisa do historiador Christoph Schäfer, da Universidade de Trier, concluiu que ela mesma preparou seu coquetel: "Considerando os sintomas, foi uma mistura de acônito, uma planta tóxica, cicuta e ópio." Ganhou um pomposo cortejo um ano depois. Segundo o historiador romano Cássio Dio, a procissão superou todas as outras em "custos e magnificência". A rainha aparecia em seu leito de morte, em gesso pintado, junto com uma serpente. (Outra pista sobre como prosperou a versão da picada suicida.)
Cleópatra morreu em 30 a.C., mas desde agosto do ano anterior o seu Egito não existia mais. Era só mais uma colônia de Roma. E a campanha contra ela, iniciada em vida por Otaviano, consolidou-se após a sua morte. Os romanos atrelaram toda a história da última faraó à sua sexualidade. Afinal, era melhor pensar que a mulher mais poderosa do mundo no século 1 a.C. conseguiu quase tudo o que quis porque era incrivelmente sedutora - e não porque era incrivelmente inteligente.

Poder e sangue

A dinastia Ptolomaica (305 a.C. a 30 a.C.)

Os Ptolomeus se mantiveram no poder casando-se (e matando-se) entre si, entre 305 a.C. e 31 a.C. Na terra dos governantes que eram também divindades, os "estrangeiros" suaram para fabricar uma ligação com os típicos faraós. Por isso, os gregos ptolomaicos assumiram o casamento entre irmãos, um hábito egípcio. O incesto - desconhecido na Grécia, a ponto de não haver na língua uma palavra para isso - evitava "manchas" no sangue azul ou eventuais disputas pelo poder nas bodas com elites estrangeiras. Dos 15 casamentos centrais da dinastia, dez foram entre irmãos. Nos demais, sempre havia algum parentesco. As uniões, porém, não evitaram crimes violentos em conflitos sucessórios. A tia bisavó de Cleópatra VII era esposa e sobrinha de Ptolomeu VIII. Ele a estuprara quando ela era adolescente. Cleópatra perdeu a irmã mais velha, Berenice, morta pelo pai. Ela mesma foi responsável direta pela morte de dois irmãos.

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Saiba mais


LIVROS


Cleópatra - Uma Biografia, Stacy Schiff, Zahar

O lançamento está programado para este mês. Bem escrito, o livro desfaz vários mitos.

Cleopatra: A Biography, Duane Roller, Oxford University Press, 2010

O autor também se dedica a exterminar lendas, baseado em fontes primordiais.

Cleópatra: Beyond the Mith, Michel Chauveau, Cornell University, 2002
Conciso, mira exclusivamente os textos clássicos, como os de Plutarco.

Post-scriptum

O lugar do feminino no Egito


As características da sociedade em que se destacou Cleópatra VII



Cleópatra VII serve até hoje de inspiração e modelo de mulher forte, determinada e que revolucionou uma época subvertendo o papel até então imposto às mulheres em uma sociedade na qual reinavam o silêncio e a submissão do feminino ao masculino.

Apesar de recorrente, a afirmação de que, no Egito antigo, homens e mulheres possuíam igualdade plena de direitos é falaciosa. Muito embora o espaço e a importância devotados a elas fossem muito maiores que os existentes em outras sociedades da Antiguidade, entre os egípcios existiam, sim, hierarquias de gênero.

Ao longo da história egípcia, a deusa Isis foi o modelo de mãe e esposa a ser seguido. A lenda conta que o marido de Isis, Osíris (então governante do Egito), foi assassinado por seu irmão Seth e seu corpo foi esquartejado e espalhado por diversos lugares. Determinada, a deusa percorreu o país em busca dos membros a fim de trazer Osíris de volta à vida e gerar um herdeiro, Hórus. A deusa Hathor, por sua vez, simbolizava a natureza dual que os egípcios acreditavam existir nas mulheres: são benevolentes, símbolos de fertilidade e prosperidade, mas têm um lado perigoso e destrutivo, que deve ser apaziguado. Os Ensinamentos de Ptah-Hotep, um conjunto de máximas do século 18 a.C. sobre as relações humanas, orienta os homens a amar as esposas e deixá-las afastadas de posições de poder: "Reprima-a, pois seu olho é um vento de tempestade quando ela encara".

O contexto em que governou Cleópatra, porém, não é o do esplendor faraônico. Trata-se de um Egito pós-dominação grega, bastante influenciado pela herança cultural da Grécia clássica e helênica. A tradição grega vê os espaços de destaque, especialmente na política, como masculinos por excelência. Nesse sentido, Cleópatra comportaria, na visão dessa sociedade, um desvirtuamento, o qual deveria ser condenado. Os escritos sobre a rainha mostram o olhar masculino sobre os sujeitos femininos, no qual características como agressividade, iniciativa e poder de decisão são atributos reservados aos homens, nunca às mulheres, das quais esperava-se submissão. A imagem de Cleópatra como uma mulher perigosa, cheia de ardis e pouco confiável, certamente foi construída por homens que julgavam o papel ativo de uma mulher na política algo intolerável. Mais interessante ainda é observar como sua imagem produzida pelo imperador romano Otávio Augusto destina-se, na realidade, não a disforizá-la, mas a diminuir seu então inimigo, Marco Antônio. Ao destacar as habilidades sexuais de Cleópatra e como Antônio deixou-se cair a seus pés, Otávio deixa desacreditadas as virtudes políticas de seu oponente, que teria provado ser fraco e não ter capacidade de liderança.

Ao tratar do feminino na Antiguidade, há que se ter cuidado: "A maioria das fontes históricas (do período) foi produzida por homens", diz o historiador Gregory da Silva Balthazar.

O império de Alexandre, o Grande, favorece um novo modelo de mulher, que mistura as tradições macedônicas, gregas clássicas e locais, no caso, egípcias. O papel da mulher no período helenístico já não é mais o da passividade e da submissão. Muitas assumem diversos reinos criados especialmente após a morte de Alexandre. As rainhas possuíam direitos e riquezas superiores aos comuns até então. Um caso interessante é de Arsínoe II, filha de Berenice I e Ptolomeu I, que se tornou rainha ao casar-se com seu irmão Ptolomeu II. Após a morte dele, Arsínoe tornou-se dona de um Exército, o qual comandou em batalhas com o intuito de assegurar a continuidade do poder para seus filhos, tornando-se uma regente bastante poderosa.

Falar sobre as mulheres no Egito antigo não é tarefa fácil. Esbarramos no silêncio das fontes, na sua visão masculina e nos limitadíssimos materiais acerca da vida de mulheres comuns, restringindo a análise, quase sempre, às "grandes", como Cleópatra. Mas o esforço é válido. Dando voz a essas mulheres, podemos inspirar diversas outras a lutar para diminuir, cada vez mais, a fenda que segrega o espaço feminino do masculino na sociedade atual.

* Maria Thereza David João é doutoranda em História Antiga e autora de Tópicos da História Antiga Oriental, entre outros livros e artigos publicados.

DOCUMENTÁRIO: Cleópatra

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=HNu0UP38Isk

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Quem foram os druidas?

Os druidas formavam uma classe poderosa dentro da sociedade celta – povo que, há 3 mil anos, habitava territórios onde hoje estão Reino Unido e norte da Espanha, de Portugal e da França, na Europa. Todos esses povos compartilhavam um mesmo tronco linguístico e alguns traços culturais. Dentre as diversas funções dos druidas na sociedade, as principais eram como intelectuais e conselheiros.

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Considerados por muitos como magos e bruxos, a filosofia dos druidas era fundamentada nos princípios do amor e da sabedoria. Eles adoravam a natureza e estavam sempre em busca do equilíbrio com ela e com os outros seres. Além disso, cultivavam a música e a poesia. Ainda hoje é possível tornar-se um druida. O druidismo passou a ser considerado como uma filosofia de vida. O treinamento para se tornar um senhor de barba branca, vestido de túnica e sandálias de couro pode levar até quatro anos e há três classes de ensinamento.

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SABEDORIA NATURAL

De acordo com o nível de instrução, os druidas podem exercer três funções diferentes

Bardos
Quem são: o primeiro grau de aprendizado druídico
Cor: azul
São cantores e poetas. Com a música, expressam as emoções, contam histórias e louvam os deuses. São treinados para passar a mensagem druídica, seus mitos e mistérios ancestrais. Em uma obra irlandesa do século 9, o Glossário de Cormac, os bardos vestiam um manto com penas coloridas.

Ovates ou vates

Quem são: magos e médicos formam a segunda classe druídica
Cor: verde
Espécie de xamã, os ovates possuem habilidades medicinais e supostamente mágicas. São conhecedores da astrologia e, em estado de transe, seriam capazes de se conectar com outros seres e o além. Poderiam prever o futuro e transmitir mensagens do outro mundo.
- Segundo o naturalista romano Plínio, o Velho, os druidas usavam uma foice dourada para colher o visco, erva sagrada que cresce nos galhos das árvores.

Druidas

Quem são: o último nível são os sacerdotes e juízes
Cor: branco.
Esta é a definição dos druidas: são os profundos conhecedores, conselheiros e responsáveis pelos rituais religiosos druídicos. São também juízes e, no passado, tinham funções políticas importantes.
- Originário de termos gaélicos, bretões e galeses, druida significa “aquele que tem a sabedoria do carvalho”.
- Júlio César teria inventado que os druidas eram adeptos do sacrifício humano para justificar sua campanha militar contra os “celtas selvagens”.
- O mago Merlin (ou Taliesin), que aparece nas lendas do rei Arthur, é, na verdade, um druida. É considerado “o maior bardo de todos os tempos”.

UM TREINO DE 19 ANOS

Aprendizado durava o mesmo tempo de um ciclo astrológico
Na Antiguidade, o treinamento de um druida podia durar até 19 anos. Isso porque esse período completa um Ciclo Metônico (criado pelo astrônomo grego Meton) – o tempo mínimo, em anos, para que os calendários solar (365 dias) e lunar (354 dias) se encontrem e também o tempo de intervalo entre dois eclipses idênticos.

ELES ESTÃO NO NOSSO CALENDÁRIO

Algumas das datas que celebramos hoje têm origem druida
Os cultos à natureza e aos fenômenos naturais são quase sempre o tema das festividades druídicas. O Sol é cultuado nos solstícios (verão e inverno) e equinócios (outono e primavera). Entre os dias 31 de outubro e 2 de novembro, ocorriam o Samhuinn e o Dia de Todas as Almas, hoje refletidos no Halloween e no Dia de Finados.

FONTES: Claudio Quintino Crow, pesquisador de cultura celta e irlandesa, e Philip Carr-Gomm, escritor, psiquiatra e pesquisador do druidismo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

CELTAS

Celtas é a designação dada a um conjunto de povos, um etnónimo, organizados em múltiplas tribos, pertencentes à família linguística indo-europeia que se espalhou pela maior parte do oeste da Europa a partir do segundo milénio a.C.. A primeira referência literária aos celtas (Κελτοί) foi feita pelo historiador grego Hecateu de Mileto no século VI a.C..




Origens

As origens dos povos celtas são motivo de controvérsia, especulando-se que entre 1900 e 1500 a.C. tenham surgido da fusão de descendentes dos agricultores danubianos neolíticos e de povos de pastores oriundos das estepes. Esta incerteza deriva da complexidade e diversidade dos povos celtas, que além de englobarem grupos distintos, parecem ser a resultante da fusão sucessiva de culturas e etnias. Na península Ibérica, por exemplo, parte da população celta se misturou aos iberos, o que resultou no surgimento dos celtiberos.

Todavia, estudos genéticos realizados em 2004 por Daniel Bradley, do Trinity College de Dublin, demonstraram que os laços genéticos entre os habitantes de áreas célticas como Gales, Escócia, Irlanda, Bretanha e Cornualha são muito fortes e trouxeram uma novidade: a de que, de entre todos os demais povos da Europa, os traços genéticos mais próximos destes eram encontrados na península Ibérica.

Daniel Bradley explicou que sua equipe propunha uma origem muito mais antiga para as comunidades da costa do Atlântico: pelo menos 6000 anos atrás, ou até antes disso. Os grupos migratórios que deram origem aos povos celtas do norooeste europeu teriam saído da costa atlântica da península Ibérica nos finais da última Idade do Gelo e ocupada as terras recém libertadas da cobertura glacial no noroeste europeu, expandindo-se depois para as áreas continentais mais distantes do mar.

O geneticista Bryan Sykes confirma esta teoria no seu livro Blood of the Isles (2006), a partir de um estudo efectuado em 2006 pela equipe de geneticistas da Universidade de Oxford. O estudo analisou amostras de ADN recolhidas de 10.000 voluntários do Reino Unido e Irlanda, permitindo concluir que os celtas que habitaram estas terras, — escoceses, galeses e irlandeses —, eram descendentes dos celtas da península Ibérica que migraram para as ilhas Britânicas e Irlanda entre 4.000 e 5.000 a.C..

Outro geneticista da Universidade de Oxford, Stephen Oppenheimer, corrobora esta teoria no seu livro "The Origins of the British" (2006). Estes estudos levaram também à conclusão de que os primitivos celtas tiveram a sua origem não na Europa Central, mas entre os povos que se refugiaram na península Ibérica durante a última Idade do Gelo.

Estudos feitos na Universidade do País de Gales defendem que as inscrições encontradas em estelas no sudoeste da península Ibérica demonstram que os celtas do País de Gales vieram do sul de Portugal e do sudoeste de Espanha.

Boa parte da população da Europa ocidental pertencia às etnias celtas até a eventual conquista daqueles territórios pelo Império Romano; organizavam-se em tribos, que ocupavam o território desde a península Ibérica até a Anatólia. A maioria dos povos celtas foi conquistada, e mais tarde integrada, pelos Romanos, embora o modo de vida celta tenha, sob muitas formas e com muitas alterações resultantes da aculturação devida aos invasores e à posterior cristianização, sobrevivido em grande parte do território por eles ocupado.

Existiam diversos grupos celtas compostos de várias tribos, entre eles os bretões, os gauleses, os escotos, os eburões, os batavos, os belgas, os gálatas, os trinovantes e os caledônios. Muitos destes grupos deram origem ao nome das províncias romanas na Europa, as quais que mais tarde batizaram alguns dos estados-nações medievais e modernos da Europa.
Os celtas são considerados os introdutores da metalurgia do ferro na Europa, dando origem naquele continente à Idade do Ferro (culturas de Hallstatt e La Tène), bem como das calças na indumentária masculina (embora essas sejam provavelmente originárias das estepes asiáticas).

Do ponto de vista da independência política, grupos celtas perpetuaram-se pelo menos até ao século XVII na Irlanda, país onde por seu isolamento, melhor se preservaram as tradições de origem celta. Outras regiões europeias que também se identificam com a cultura celta são o País de Gales, uma entidade sub-nacional do Reino Unido, a Cornualha (Reino Unido), a Gália (França, e norte da Itália), o norte de Portugal e a Galiza (Espanha). Nestas regiões os traços linguísticos celtas sobrevivem nos topônimos, nalgumas formas linguísticas, no folclore e nas tradições.

História

Pela inexistência de dados e documentos originais, grande parte da história dos celtas é hipotética. Sabe-se, hoje, que se estendeu por 19 séculos, desde 1800 a.C. — quando, culturalmente, os celtas se individualizaram entre os demais povos indo-europeus — até o século I d.C, época da decadência motivada pela desunião entre suas várias tribos e a invasão romana às terras que ocupavam.

O período mais brilhante da história celta transcorre, aproximadamente, entre 725 e 480 a.C., na Era de Hallstatt, início da civilização céltica do ferro e, também, da invasão à Europa. Os celtas se instalaram em uma imensa região das atuais repúblicas Tcheca, Eslovaca, Áustria, sul da Alemanha, leste da França e da Espanha, alcançando a Grã-Bretanha. Nesta fase se consolidaram os traços particulares da civilização céltica.

Os Celtas foram o primeiro povo civilizado da Europa. Chegaram neste continente junto com a primeira onda de colonização ainda em 4.000 AC. Destacaram-se dos outros povos que chegaram na mesma época porque acreditavam em uma terra prometida e iam em busca dela. Em 1800 AC já tinham a sua cultura e o território totalmente estabelecidos, isso enquanto os gregos e os romanos nem sonhavam em nascer (e há quem diga que eles são colônias celtas).




Ocupavam a região da Alemanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, França e Inglaterra. Não eram lá muito calmos e pacíficos, para se ter uma idéia do como eram guerreiros, para um menino ser considerado homem tinha de passar por um prova que consistia em sair da cidade onde morava, sair da sua região, e trazer a cabeça de qualquer pessoa que não fosse Celta. Somente com a cabeça na mão é que se fazia uma tatuagem em seu corpo que dizia que ele agora era homem adulto.

Chegaram a desenvolver uma escrita, ela é tão complexa que hoje são poucos os que se atrevem a desvendá-la. A escrita era considerada mágica, e somente os seus sacerdotes é que a aprendiam, estes eram os famosos druídas. Inventaram lendas belíssimas, que estão entre as mais famosas dos dias de hoje, como por exemplo as história do rei Arthur e os cavaleiros da távola redonda, Tristão e Isolda, além de terem inventado quase todos os contos de fada (que foram se modificando com o tempo).

Sem dúvida eram um povo com muita ciência unida a muita mística. Têm relatos praticamente inexplicáveis, como o de uma operação de transplante de coração, realizado em 1000 a.C., e o de Navios voadores que soltavam fumaça enquanto desciam e pousavam no meio dos campos da Inglaterra. Utilizaram com muita perfeição o monumento de Stonehenge, o qual dizem que não construíram ... outro mistério entre os tantos que o cercam.

Tinham um estrutura de família bem peculiar, se consideravam animais acreditavam em uma infinidade de deuses e demônios, por sinal, vocês sabiam que os simpáticos duendezinhos com seus potes de ouro são invenção dos Celtas, só que nesta história eles não são nada engraçados, são terrivelmente malvados e sarcásticos.

E numa cultura com tantas lendas, tantos seres malvados, tinham também grandes heróis ... e se espantem, o maior destes heróis era uma mulher, e o seu maior ato heróico era o poder gerar vários filhos por ano, 7 a 8, durante todos os anos. E com heróis querendo vencer demônios, tinham artefatos sagrados muito interessantes, são 4 os que influenciaram praticamente todo o nosso imaginário.

A influência cultural celta, que jamais desapareceu, tem mesmo experimentado um ciclo de expansão em sua antiga zona de influência, com o aparecimento de música de inspiração celta e no reviver de muitos usos e costumes conhecidas hoje como Celtismo.

Língua e cultura




Língua

As línguas célticas derivam de dois ramos indo-europeus do grupo denominado centum: o celta-Q (goidélico), mais antigo, do qual derivam o irlandês, o gaélico da Escócia e a língua manx da Ilha de Man, e o celta-P (galo-britânico), falado pelos gauleses e pelos habitantes da Bretanha, cujos descendentes modernos são o galês (do País de Gales) e o bretão (na Bretanha). Os registos mais antigos escritos numa língua celta datam do século VI a.C..

As informações hoje disponíveis sobre os celtas foram obtidas principalmente através do testemunho dos autores greco-romanos. Isto não permite traçar um quadro completo e imparcial do que foi a realidade quotidiana desses povos. O chamado "alfabeto das árvores" ou Ogham surgiu apenas por volta de 400 d.C.
Edward Lhuyd, em 1707, identificou uma família de línguas, ao notar a semelhança entre o irlandês, o bretão, o córnico e o galês e a extinta língua gaulesa, as quais classificou como línguas celtas. Lhuyd justificou o uso da expressão pelo fato de estas pertencerem à mesma família linguística do gaulês e a língua gaulesa e a maioria das tribos gaulesas terem sido chamadas de celtas.
Fontes clássicas e arqueológicas atestam que os celtas faziam uso limitado da escrita. Júlio César, no De Bello Gallico, comentou que os helvécios usavam o alfabeto grego para registar o censo da população e que os druidas recusavam-se a registar por escrito os versos, mas que faziam uso do alfabeto grego para as transações públicas e pessoais. Diodoro disse que nos funerais os gauleses escreviam cartas aos amigos, e jogavam-nas na pira funerária, como se elas pudessem ser lidas pelos defuntos. Já Ulpiano determina que os fidei comunis podiam ser escritos em gaulês, entre outras línguas, o que gerou especulações de que no século III esta língua ainda seria escrita e falada.
O alfabeto ibérico foi usado para registar o celtibéro, uma língua celta da península Ibérica. O alfabeto de Lugano e Sondrio foi usada na Gália Cisalpina e o alfabeto grego na Gália Transalpina. Variações do alfabeto latino foram usadas na península Ibérica e na Gália Transalpina. Estudos colocam a hipótese de haver uma relação entre as inscrições de Glozel e um dialeto celta.

Cultura

As manifestações artísticas celtas possuem marcante originalidade, embora denotem influências asiáticas e das civilizações do Mediterrâneo (grega, etrusca e romana). Há uma nítida tendência abstrata na decoração de peças, com figuras em espiral, volutas e desenhos geométricos. Entre os objetos inumados, destacam-se peças ricamente adornadas em bronze, prata e ouro, com incisões, relevos e motivos entalhados. A influência da arte celta está ainda presente nas iluminuras medievais irlandesas e em muitas manifestações do folclore do noroeste europeu, na música e arquitectura de boa parte da Europa ocidental. Também muitos dos contos e mitos populares do ocidente europeu têm origem na cultura dos celtas.
Alguns estereótipos modernos e contemporâneos foram associados à cultura dos celtas, como imagens de guerreiros portando capacetes com chifres e ou asas laterais (vide Asterix), comemorações de festas com taças feitas de crânios dos inimigos, entre outros. Essas imagens se devem em parte ao conhecimento divulgado sobre os celtas durante o século XIX.

Diógenes Laércio, na sua obra Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, comenta que a origem do estudo da filosofia era atribuída aos celtas, (entre outros povos considerados bárbaros). O conhecimento da filosofia era atribuído aos druidas e aos semnothei.

Massalia era um conhecido centro de aprendizagem onde os celtas iam aprender a cultura grega, a ler e a escrever.

Entre os eruditos da antiguidade de origem celta ou oriundos das regiões celtas são conhecidos Gneu Pompeu Trogo, Marcelo Empírico, Públio Valério Catão, Marco Antônio Gnífon, Cornélio Galo, Rutílio Cláudio Namaciano, Virgílio, Vibius Gallus Tito Lívio Cornélio Nepos e Sidônio Apolinário.

Organização social

A unidade básica de sua organização social era o clã, composto por famílias aparentadas que partilhavam um núcleo de terras agrícolas, mas que mantinham a posse individual do gado que apascentavam.

Com base em estudos efectuados na Irlanda, determinou-se que a sua organização política era dividida em três classes: o rei e os nobres, os homens livres e os servos, artesãos, refugiados e escravos. Este último grupo não possuía direitos políticos. A esta estrutura secular, agregavam-se os sacerdotes (druidas), bardos e ovados, todos com grande influência sobre a sociedade.
Mais recentemente foram apresentadas novas perspectivas sobre a celtização do Noroeste de Portugal e a identidade étnica dos Callaeci Bracari. No país, os povoados castrejos do tipo citaniense apresentavam características similares às dos povoados celtas. A citânia de Briteiros é exemplo de um povoado com características celtas, sendo, porém, necessário tomar esta designação no seu sentido lato: isto é - seria o local de habitação das numerosas tribos celtizadas (celtici). Tongóbriga é um sítio arqueológico situado na freguesia de Freixo, também antigo povoado dos Callaeci Bracari.

Religião




Os celtas exaltavam as forças telúricas expressas nos ritos propiciatórios. A natureza era a expressão máxima da Deusa Mãe. A divindade máxima era feminina, a Deusa Mãe, cuja manifestação era a propria natureza e por isso a sociedade celta embora não fosse matriarcal mesmo assim a mulher era soberana no domínio das forças da natureza. A religião celta era politeísta com características animistas, sendo os ritos quase sempre realizados ao ar livre. Suspeita-se que algumas das suas cerimônias envolviam sacrifícios humanos. O calendário anual possuía várias festas místicas, como o Imbolc e o Belthane, assim como celebrações dos equinócios e solstícios.

Embora se saiba que os celtas adoravam um grande número de divindades, do seu culto hoje pouco se conhece para além de alguns dos nomes. Tendo um fundo animista, a religião celta venerava múltiplas divindades associadas a atividades, fenômenos da natureza e coisas. Entre as divindades contavam-se Tailtiu e Macha, as deusas da natureza, e Epona, a deusa dos cavalos. Entre as divindades masculinas incluíam-se deuses como Goibiniu, o fabricante de cerveja, e Tan Hill, a divindade do fogo. O escritor romano Lucano faz menções a vários deuses celtas, como Taranis, Teutates e Esus, que, curiosamente, não parecem ter sido amplamente adorados ou relevantes.
Algumas divindades eram variantes de outras, refletindo a estrutura tribal e clânica dos povos celtas. A esta complexidade veio juntar-se a plêiade de divindades romanas, criando novas formas e designações. É nesse contexto que a deusa galo-romana dos cavalos, Epona, parece ser uma variante da deusa Rhiannon, adorada em Gales, ou ainda Macha, que era adorada na região do Ulster.

As crenças religiosa dos celtas também originaram muitos dos mitos europeus. Entre os mais conhecidos está o mito de Cernunnos, também chamado de Slough Feg ou Cornífero na forma latinizada, comprovadamente um dos mitos mais antigos da Europa ocidental, mas do qual pouco se conhece.

Com a assimilação no Roma, os deuses celtas perderam as suas características originais e passaram a ser identificados com as correspondentes divindades romanas. Posteriormente, com a ascensão do Cristianismo, a Velha Religião foi sendo gradualmente abandonada, sem nunca ter sido totalmente extinta, estando ainda hoje presente em muitos dos cultos de santos e nas crenças populares assimilados no cristianismo.

Com a crescente secularização da sociedade europeia, surgiram movimentos neo-pagãos pouco expressivos, que buscam a adaptação aos novos tempos das crenças do paganismo antigo, sendo alguns dos principais representantes a wicca e os neo-druidas, que embora contenham alguns elementos celtas, não são célticos, nem representam a cultura do povo celta.

A wicca tem sua origem na obra de ocultistas do século XX, como Gerald Brousseau Gardner e Alesteir Crowley. Já o neo-druidismo não tem uma fonte única, sendo uma tentativa de reconstruir o druidismo da Antiguidade, tendo sua estruturação sido iniciada em sociedades secretas da Grã-Bretanha a partir do século XVIII.

Mitologia

Consideram-se três as fontes principais sobre a mitologia celta, os autores greco-romanos, a arqueologia, e os documentos britânicos e irlandeses.

São riquíssimas as narrativas mitológicas celtas, principalmente as transmitidas oralmente em forma de poema, como "O Roubo de Gado em Cooley". Nesta, o herói irlandês Cú Chulainn enfrenta as forças da rainha Maeve para defender o seu condado. Outra narrativa, do Livro das Invasões (Lebor Gabala Erren), conta a lenda dos filhos de Míle Espáine e o seu trajecto até chegarem à Irlanda.

Outros legados dos celtas são as histórias do Ciclo do Rei Artur da Inglaterra e relatos míticos dos quais se originaram os contos de fadas, como, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho (onde a menina representa o Sol devorado pela noite do inverno, ou seja, o lobo).

Os celtas da Europa continental não deixaram registro escrito, mas conhecemos seus deuses através dos conquistadores romanos, que estabeleceram elos entre muitas dessas divindades e seus próprios deuses. Por exemplo, o deus do trovão Taranis era o equivalente do Júpiter romano, e várias outras divindades locais eram equiparadas a Marte, Mercúrio e Apolo. Os povos do País de Gales e da Irlanda também deixaram uma mitologia muito rica e muitas de suas lendas foram escritas durante a Idade Média.

A Mitologia Celta pode ser dividida em três subgrupos principais de crenças relacionadas.

· Goidélica - irlandesa e escocesa
· Britânica Insular - galesa e da Cornuália
· Britânica Continental - Europa continental.

Na Irlanda, o registro mais antigo da mitologia celta é o “Book of the Dun Cow”, que contém as sagas do herói Cuchulainn, escrito pelo monje Maelmuri, morto pelos vikings, em sua catredral, em 1106. Esse título se deve a um manuscrito do séc. VII, escrito por S. Ciaran sobre a pele de sua vaca de estimação.

O legado celta da Irlanda é muito forte e a mais direta fonte para estudos, pois os romanos jamais invadiram esse país. Preciosos manuscritos da mitologia irlandesa nos elucidam muito sobre a espiritualidade e sociedade celta. Alguns textos-chave são “O Livro das Invasões da Irlanda”, “O Roubo do Gado de Cooley”, “A Cartilha do Sábio”, “A Batalha de Moytura”, entre outros.

Na mitologia britânica temos o Mabinogion, uma coleção de 11 contos galeses conservados nos manuscritos “White Book of Rhydderch” e “Red Book of Hergest”, dos sécs. XIII e XIV. Mabinogion é o título dado por lady Charlotte Guest, em 1849, quando ela fez a tradução dos manuscritos para o inglês.

Resquícios Modernos

Os modos e as crenças celtas tiveram um grande impacto na atualidade das regiões em que se encontravam. Conhecimentos sobre a religião pré-cristã ainda são comuns nas regiões que foram habitadas pelos celtas, apesar de agora estarem diminuindo. Adicionalmente, muitos santos não-oficiais são adorados na Escócia, como Saint Brid na Escócia (Brigid, na Irlanda), uma adaptação cristã da deusa de mesmo nome. Vários ritos envolvendo peregrinações a vales e poços considerados sagrados aos quais creditam propriedades curativas têm origem celta.

Fontes: