Filme na aula de História: diversão ou hora de aprender?
O cinema aproxima os alunos de situações, pessoas,
cenários e sons do passado e do presente. Mas é preciso saber explorar
esse importante recurso pedagógico para que a aula não seja simplesmente
uma sessão pipoca e caia no vazio
Manhã de 12 de outubro de 1492. Depois de dias navegando em alto-mar, as
naus de Cristóvão Colombo chegam às terras americanas. A expressão no
rosto dos marinheiros é marcante: alegria, euforia e alívio se misturam
com suor e cansaço. Bandeiras amarelas e vermelhas - as cores da coroa
espanhola - são asteadas e balançam ao vento, enquanto os homens se
jogam na praia. Colombo, exausto, pisa triunfante na areia até cair de
joelhos, e olha para o céu. A trilha sonora arrepia e completa a cena
épica.
Qual a diferença entre uma aula de História que utiliza o
filme 1492 - A Conquista do Paraíso, do diretor inglês Ridley Scott,
para tratar do descobrimento da América e outra que descreve o fato
apenas de forma expositiva? A primeira opção é muito mais interessante
para os alunos, mas a garantia de que eles aprenderão o conteúdo depende
da maneira como o professor aproveita o filme. A exibição de filmes em
classe pode ser um momento de crítica e aprofundamento do tema ou uma
simples sessão da tarde, pura diversão para a turma. "As imagens não
podem ser utilizadas como ilustração de uma aula e muito menos
substituir o discurso do professor. Quando isso acontece, a informação
cai no vazio, os alunos não aprendem nada e se perde uma oportunidade
maravilhosa de ensinar", afirma Gerson Egas Severo, professor de
História da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões (URI), de Erechim (RS).
Não se trata de pôr em segundo
plano a leitura e a escrita, mas de incorporar um meio que facilita
muito a aprendizagem e coloca o aluno em contato com uma nova maneira de
pensar e entender a história.
Cinema só têm sentido no ensino com a intervenção do professor
A
imagem é hoje um dos mais importantes meios de comunicação e é inegável
que a tecnologia vem provocando alterações nas formas de pensamento e
de expressão. Basta pensar na influência da TV na vida atual. Nas
décadas de 1950 e 1960, o pensador Célestin Freinet (1896-1966) já
discutia a necessidade de o professor reconhecer e utilizar esses
recursos: "A desordem cultural persistirá enquanto a escola pretender
educar as crianças com instrumentos e sistemas que tiveram validade há
50 anos. (...) Subsistirão as lições, os braços cruzados, as
memorizações, enquanto fora da escola haverá uma avalanche de imagens e
de cinema".
Para o professor Severo, que estudou o potencial
educativo dos filmes, é primordial aproveitar os meios visuais marca
do século 20 para dar sentido aos conteúdos de História. "Nenhuma
imagem fala por si só. Para que ela seja realmente útil na aprendizagem,
é essencial a intervenção do professor", explica. Isso vale não só para
o cinema mas também para a TV e os computadores.
O professor de
História Alex Rufino tem consciência da importância de educar os alunos
na linguagem audiovisual, enquanto explora os conteúdos de História.
Lecionando na periferia, na Escola Estadual Presidente Médice, em
Cuiabá, percebeu que seus alunos tinham pouca oportunidade de ir ao
cinema. Há quatro anos, o professor teve a idéia de implantar o projeto
Cinescola para resolver essa carência e melhorar o desempenho dos alunos
de 8ª série e Ensino Médio em sua disciplina. Mas não foi fácil, pois a
escola só tinha uma TV e um videocassete antigos. Alex conseguiu a
parceria da secretaria de educação do Mato Grosso, que cedeu um telão, e
o apoio de locadoras para não ter custo no aluguel das fitas. A
exibição dos filmes acontecia sempre aos finais de semana para toda a
comunidade. Um dos resultados do projeto foi a diminuição da violência
na escola. "É um trabalho duro, mas muito compensador. Os alunos
passaram a assistir aos filmes com outros olhos e a aprendizagem deu um
salto. Eles gostam de História!", explica. Em 2003, o Cinescola ganhou
prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco) como experiência inovadora em educação.
Se um filme fosse feito pelos índios, Colombo seria herói ou vilão?
Será
que a chegada de Cristóvão Colombo às terras americanas foi asssim tão
triunfal, como conta o filme do diretor Ridley Scott? Quantos homens, de
fato, participaram dessa expedição marítima? Será verdade que Colombo
teve um relacionamento íntimo com a rainha Isabel da Espanha, como
sugere essa história? O lugar em que foram rodadas as cenas é o mesmo
onde aportou o aventureiro?
O primeiro ponto a se levantar em
uma aula de História é que tanto os filmes quanto os documentos são
representações da realidade. O filme é uma visão particular do
roteirista e do diretor, que se baseiam em fatos históricos. Para isso,
selecionaram e interpretaram as informações que quiseram. O mesmo se dá
na escolha e edição das cenas. Os sons e as imagens têm exatamente essa
finalidade criar a sensação de que estamos assistindo algo verdadeiro.
Basta imaginar como seria uma grande produção cinematográfica do ponto
de vista dos índios. Colombo seria retratado como herói ou vilão?
"Mesmo
não tendo comprometimento com a realidade, um filme de ficção pode
refletir de forma imediata a mentalidade de um povo, seus valores e
comportamentos", explica Antônio Reis Júnior, professor de História e
coordenador do projeto de cinema e educação da organização
não-governamental (ONG) Ação Educativa, em São Paulo. O mesmo acontece
com os documentários, um gênero perfeito para as aulas de História de
turmas de 5ª a 8ª série. Apesar de parecerem mais fiéis à realidade, os
documentários também merecem a mesma análise crítica dos filmes de
ficção.
O professor dá uma dica: os curta-metragens são os mais
indicados para utilizar em sala de aula devido ao tempo de exibição. O
problema é que eles nem sempre estão disponíveis nas lojas. Vale uma
pesquisa na locadora mais próxima!
Como aproveitar as fitas no ensino e melhorar o desempenho dos alunos
Há
tempos a professora de História Maria Aparecida Pinho Cabral de
Medeiros, do Colégio Augusto Laranja, em São Paulo, tem um olhar crítico
e atento às possibilidades de uso dos filmes. No ano passado, durante
um trimestre, o tema de suas aulas na 7ª série foi a Idade Média. Para
começar, Cida, como é conhecida na escola, utilizou o quadro-negro e
seus conhecimentos teóricos sobre o assunto para explicar esse período.
Mas era preciso uma estratégia de ensino para aumentar o interesse da
turma pelas aulas.
Os estudantes pesquisaram na internet, mas ao
assistir ao filme de aventura Coração de Cavaleiro, de Brian Helgeland,
conheceram mais a fundo como se davam as relações entre o clero, a
nobreza e os camponeses. "Os alunos ficaram impressionados com os trajes
medievais e descobriram a dureza da vida naquela época. Essa impressão e
esse conhecimento só são possíveis com o cinema", conta Cida. Para
exibir o filme, que tem 132 minutos, foi preciso que outros professores
cedessem suas aulas para a professora. Mas o projeto não parou por aí.
Leitura e produção de textos foram explorados em Língua Portuguesa
quando os alunos tiveram que produzir contos de cavalaria. Será que um
nobre poderia se casar com uma camponesa? Por quê? O que aconteceria com
um cavaleiro que discutisse com um padre? Essas questões foram
levantadas e pesquisadas em livros para a construção das histórias.
Um filme deve ser exibido na íntegra ou em algumas partes que interessem à aula?
Para
Flávio Trovão, professor de História da Faculdades do Brasil
(UniBrasil), em Curitiba, um filme não precisa ser passado na íntegra
para a classe, apenas quando os alunos pedem. "Há o risco de o professor
gastar mais de uma aula com a exibição e o aluno não entender aonde ele
queria chegar", conta o professor. Trovão, que tem experiência no
Ensino Fundamental, seleciona as cenas mais importantes para o conteúdo
que está trabalhando e outras vezes parte do filme para iniciar uma
discussão ou um tema novo. Antes da exibição, distribui um roteiro de
perguntas que serve para orientar os alunos. Do que trata o filme? Onde
se desenvolve a maior parte das cenas? Que cenas mostram conflitos? Qual
a mensagem?
Veja algumas dicas de Trovão para preparar a aula:
● Assista ao filme mais de uma vez e veja se é preciso passá-lo na íntegra ou apenas partes selecionadas.
● Observe se existem cenas desapropriadas para a faixa etária dos alunos.
● Deixe claro para a turma que o filme representa um episódio histórico, mas não é a realidade.
● Prepare um roteiro de perguntas e alerte os alunos para perceberem os conflitos, o tema e personagens.
●
Deixe claro que o filme na escola é um recurso didático e uma forma de
conhecimento, e não mero entretenimento ou uma maneira de "matar a
aula".
O cinema no ensino pode ser usado para:
● Iniciar a discussão de um assunto ainda não abordado. Lance uma questão a ser investigada.
●
Desenvolver o conteúdo. O aluno deverá perceber o contexto histórico a
que o filme se refere, o que ele está mostrando, que fenômenos e fatos
são retratados. Nesse caso, o aluno já possui referências sobre o tema.
Em ambas situações, explore a estrutura narrativa e como ela foi desenvolvida no filme.
Professores fazem seu próprio filme para contar a história do bairro
Quando
o assunto é história do Brasil, o cinema produzido no país pode
representar melhor que qualquer outro a sociedade e a cultura. É isso o
que defende a Ação Educativa, que há quatro anos desenvolve acervos de
videoteca em escolas da zona leste de São Paulo e cursos de leitura do
audiovisual. "O professor precisa valorizar seu papel para utilizar
corretamente o cinema. Ele não pode ser um coadjuvante", afirma
Alexandre Kishimoto, um dos coordenadores do trabalho.
Inês
Silva dos Santos e Josafá Pereira da Silva, professores da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Antonio Carlos de Andrada e Silva,
aproveitaram a oportunidade e viraram cineastas. Com câmeras, luzes e
microfone em punho (a ONG disponibiliza o material), saíram pelas ruas
de São Miguel Paulista em busca de ex-funcionários de uma antiga fábrica
do bairro. Hoje, metade dela está desativada e sob escombros, mas na
memória dos moradores as imagens do movimento dos trabalhadores no
entra-e-sai da fábrica ainda existe. Zita Carlos da Silva,
ex-funcionária da empresa, hoje vive do comércio informal, mas não
esquece dos benefícios quando tinha carteira assinada. Ela nunca mais
conseguiu um emprego. "A idéia é contar uma história que não passa nas
telas do cinema, mas que faz parte da vida dos alunos. Muitos pais têm a
mesma trajetória de Zita", explica o professor e idealizador do filme.
Mais
que recurso para a aprendizagem, o filme Quimo-Memória denuncia a
destruição da arquitetura e da memória fabril de São Paulo. O trabalho
ainda não está finalizado, mas em breve será material didático para
explorar temas como industrialização, urbanização, movimentos
migratórios e Segunda Guerra Mundial. Isso mesmo, Segunda Guerra
Mundial! Um dos entrevistados pelos professores revelou que a antiga
indústria produzia pólvora nas décadas de 1930 e 1940, contribuindo para
o conflito mundial. Logo, os alunos terão acesso aos movimentos
históricos de sua comunidade, poderão entender mais facilmente as tramas
e os fatos que compõem o passado e o presente e, principalmente, se
enxergar como agentes da história pelas lentes de seus professores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário