PROFESSORA ANDRÉA

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A origem do zika vírus: conheça o histórico do vírus

Entenda como o zika vírus se espalhou pelo mundo Rafaela Martins/Agencia RBS

No continente africano, onde a humanidade teve sua origem, reino da diversidade, busquemos fazer um esforço para tentar imaginar uma floresta onde macacos vivem em harmonia com a natureza e entram em contato com agentes microscópicos por meio da picada de mosquitos – esses sem lhe causar mal algum. Este lugar é a Floresta de Zika, em Uganda.

Em 1947, foi identificado entre os primatas dessa floresta um vírus transmitido por meio de relação sexual e, principalmente, pela picada de mosquitos irmãos do nosso velho conhecido Aedes aegypti, muito parecido com o que transmite a dengue ou a febre amarela urbana.

Em algum momento impreciso do final da primeira metade do século XX, o homem entrou nesse ciclo aparentemente harmônico entre macaco e vírus e passou a ser o que chamamos de hospedeiro acidental. Foi assim com o Zika e outras doenças infecciosas como malária, febre amarela e doença de chagas.

Elas são resultado do avanço do homem sobre a natureza, assim como do modelo hegemônico de convivência nas sociedades modernas que gerou os grandes conglomerados urbanos repletos de desigualdades, que propiciam um novo ciclo entre homem e mosquito transmissor mantendo a circulação viral dessa arbovirose e a perpetuação dessas doenças.

Diferentemente do macaco, no homem, o Zika causa doença e complicações ainda pouco conhecidas. A doença já foi identificada na África, no Sudeste Asiático, em Ilhas do Pacífico e aportou na América do Sul provavelmente pelo Oceano Pacífico, em 2014. Há registros de casos no Brasil na época da Copa do Mundo, porém foi só em 2015 que foi confirmado o primeiro caso de transmissão ocorrida dentro do País, na região Nordeste.

Por conta dos aglomerados populacionais em condições sanitárias frágeis somado à presença maciça do vetor, que também transmite a dengue, o Brasil constitui-se como um celeiro propício para a consolidação do Zika como problema de saúde pública.

O período entre a aquisição do vírus por meio da picada do Aedes aegypti e o aparecimento dos sintomas varia entre 3 e 12 dias, sendo que apenas uma em quatro pessoas irão desenvolver sintomas da doença. Por apresentar os sintomas muito similares aos da dengue, mas com duração mais curta, a infecção pelo Zika foi sempre de difícil confirmação desde os primeiros casos na África. Febre baixa, dores musculares, dor de cabeça, inflamação nos olhos e manchas na pele, chamadas de exantema – quadro clínico de difícil diferenciação com a dengue e similar a um quadro de alergia por também atingir a pele e os olhos.

Dado o período curto de sintomas e a falta de exames confirmatórios disponíveis, a suspeita diagnóstica deve ainda levar em conta a realidade local da ocorrência da doença e também considerar os determinantes sociais como pobreza, déficit de saneamento básico e oportunidade de acesso rápido e de qualidade à saúde. Assim, o diagnóstico do Zika ainda é um desafio para os serviços de saúde, apesar da evolução benigna dos seus sintomas.

O Brasil, a despeito do SUS ainda estar em construção e com inúmeras demandas assistenciais, tem conseguido estabelecer associações entre a infecção pelo Zika e complicações como a microcefalia e a Síndrome de Guillain-Barré. Esta última é uma doença caracterizada pelo acometimento dos nervos periféricos das pernas e dos braços que leva à fraqueza progressiva, dificuldade de movimentação dos membros, podendo levar inclusive à paralisia das pernas principalmente.

O Zika e a resposta inflamatória que nosso corpo produz ante ao vírus podem causar lesões nos nervos caracterizando a Síndrome de Guillain –Barré. São manifestações que se iniciam cerca de sete dias após a remissão dos sintomas da infecção.  Sabemos que assim como o vírus da dengue, o Zika tem o que chamamos de tropismo, ou afinidade, pelos nervos do nosso corpo e, portanto, causa esses danos neurológicos. Dessa forma, presenciamos uma realidade nova em termos de saúde pública, uma doença com complicações ainda pouco conhecidas e potencialmente limitantes.


Relação com a microcefalia

Microcefalia é a anomalia congênita em que o cérebro não se desenvolve adequadamente. As fontanelas (conhecidas como moleiras) se fecham precocemente impedindo o cérebro de crescer e se desenvolver e, como resultado, o perímetro da cabeça fica menor que o normal.
Ela é diagnosticada quando a circunferência da cabeça é menor do que o esperado para idade gestacional, tempo de vida e sexo. Pode ser de causas familiares, defeitos congênitos, síndromes genéticas, exposição a toxinas e a agentes infecciosos na gestação. No caso das infecções congênitas, o agente pode causar poucos ou nenhum sintoma na gestante, mas afetar de diversas maneiras a formação do bebê.

De acordo com os estudos realizados até agora, o Zika vírus parece estar nessa categoria, por esse motivo, só houve atenção maior à doença após o nascimento dos bebês. A menos que a microcefalia seja familiar, 90% dos bebês comprometidos tem algum atraso no desenvolvimento neurológico.

A microcefalia é um evento raro, a incidência estimada é de 0,1% de casos graves na população geral. Em outubro desse ano, o estado de Pernambuco identificou 28 casos em poucas semanas, o que chamou a atenção da Vigilância Epidemiológica, que solicitou apoio ao Ministério da Saúde para investigação.

Baseado em uma experiência anterior na Polinésia Francesa, em relatos de aumento de incidência do vírus no Nordeste desde o início do ano, de gestantes com filhos acometidos que referiam febre e exantema na gestação e na identificação do vírus no líquido amniótico de duas gestantes com fetos com microcefalia e que apresentavam história de sintomas sugestivos na gravidez, é forte a suspeita de que o aumento de casos estaria relacionado ao vírus Zika.

A microcefalia relacionada a esse vírus é uma doença nova que está sendo descrita pela primeira vez na história e com base no surto que está ocorrendo no Brasil. Não há tratamento específico para a doença ou vacinas. Desse modo, medidas de vigilância epidemiológica, identificação precoce dos casos e controle do vetor de forma coletiva são importantes.
As medidas de controle individuais são importantíssimas, entre elas os cuidados relacionados à proliferação dos mosquitos nos domicílios, que devem ser mantidos limpos evitando locais em que a água possa ficar parada e funcionem como criadouros, e também deve-se adotar medidas individuais como uso de repelentes, mosquiteiros e inseticidas domésticos.

O mosquito costuma picar no início e no fim da tarde, nesse horário o cuidado deve ser maior, com fechamento e telas nas janelas, uso de roupas de manga longa e repelentes que não devem ser colocados por baixo da roupa, apenas na pele exposta. A Anvisa reforçou que não há qualquer impedimento no uso de repelentes por gestantes desde que sejam seguidas as normas dos fabricantes. A população deve procurar a assistência de profissionais de saúde para saber como e qual repelente usar para cada idade e gestação.

Ainda não há recomendação formal do Ministério da Saúde para evitar a gravidez. Trata-se de uma decisão da família em conjunto com a equipe de saúde que a atende. Apesar disso, alguns especialistas sugeriram esperar a melhor elucidação dos casos para a programação de gravidez neste momento.

Importante também evitar o estigma e dar suporte para as famílias acometidas. Dados do Censo de 2010 demonstraram que 1,4% da população brasileira tem algum tipo de deficiência mental ou intelectual. É preciso dar condições para que essas pessoas sejam incluídas na sociedade com boas condições de vida e de saúde, sem estigma e sem preconceitos.

Infelizmente alguns mitos e boatos como “crianças em coma” após o Zika ou que ele foi trazido pelos imigrantes são difundidos pelas redes sociais e aplicativos de mensagens dos smartphones. É prudente a checagem da informação em fontes confiáveis e reflexão ética se é algo que vale ou não ser passado adiante. A resposta às epidemias deve ser dada com cidadania e responsabilidade, nunca com sensacionalismo e pânico.

No artigo Dengue e Chikungunya, Doenças Socioambientais, mostramos que é inegável a responsabilidade individual de cada cidadão em manter as casas limpas e sem possíveis criadouros, porém é imprescindível que o poder público faça a sua parte por meio de planos diretores que privilegiem a sustentabilidade, coleta regular de lixo, fornecimento regular de água, educação em saúde, entre outros.

Por essas razões, a dengue, o chikungunya e o zika vírus não são apenas um problema de saúde, mas verdadeiras doenças socioambientais. Problemas complexos, em regra, exigem soluções integradas e participativas e medidas de prevenção a médio prazo envolvendo os mais diversos setores.

*Fábio Miranda Junqueira, Maria Carolina Pereira da Rocha e Paulo Abati são médicos infectologistas e docentes na Faculdade de Medicina da PUC-SP



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