Documento traz detalhes da tortura sofrida por Dilma
“Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia”, conta Dilma
A presidente Dilma Vana Rousseff foi torturada nos porões da ditadura em
Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São Paulo e no Rio
de Janeiro, como se pensava até agora. Em Minas, ela foi colocada no pau
de arara, apanhou de palmatória, levou choques e socos que causaram
problemas graves na sua arcada dentária. É o que revelam documentos
obtidos com exclusividade pelo Estado de Minas , que até então mofavam
na última sala do Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais
(Conedh-MG). As instalações do conselho ocupam o quinto andar do
Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte. Um tanto decadente,
sujeito a incêndios e infiltrações, o velho Maletta foi reduto da
militância estudantil nas décadas de 1960 e 70.
Perdido entre caixas-arquivo de papelão, empilhadas até o teto, repousa o
depoimento pessoal de Dilma, o único que mereceu uma cópia xerox entre
os mais de 700 processos de presos políticos mineiros analisados pelo
Conedh-MG. Pela primeira vez na história, vem à tona o testemunho de
Dilma relatando todo o sofrimento vivido em Minas na pele da militante
política de codinomes Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza e também Ana
(menos conhecido, que ressurge neste processo mineiro). Ela contava
então com 22 anos e militava no setor estudantil do Comando de
Libertação Nacional (Colina), que mais tarde se fundiria com a Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR), dando origem à VAR-Palmares.
As terríveis sessões de tortura enfrentadas pela então jovem estudante
subversiva já foram ditas e reprisadas ao longo dos últimos anos, mas os
relatos sempre se referiam ao eixo Rio-São Paulo, envolvendo a Operação
Bandeirantes, a temida Oban de São Paulo, e a cargeragem na capital
fluminense. Já o episódio da tortura sofrida por Dilma em Minas, onde,
segundo ela própria, exerceu 90% de sua militância durante a ditadura,
tinha ficado no esquecimento. Até agora.
Tortura psicológica
“Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças. Eles interrogavam
assim: ‘Me dá o contato da organização com a polícia?’ Eles queriam o
concreto. ‘Você fica aqui pensando, daqui a pouco eu volto e vamos
começar uma sessão de tortura.’ A pior coisa é esperar por tortura.”
Ameaças
“Depois (vinham) as ameaças: ‘Eu vou esquecer a mão em você. Você vai
ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém vai saber que você está
aqui. Você vai virar um ‘presunto’ e ninguém vai saber’. Em São Paulo
me ameaçaram de fuzilamento e fizeram a encenação. Em Minas não lembro,
pois os lugares se confundem um pouco.”
Sequelas
“Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai
ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de
sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é
muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando
se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito na gente é maior por
sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo, no
entanto, é mais fácil aguentar no imediato.”
Sozinha na cela
“Dentro da Barão de Mesquita (RJ), ninguém via ninguém. Havia um
buraquinho na porta, por onde se acendia cigarro. Na Oban (Operação
Bandeirantes), as mulheres ficavam junto às celas de tortura. Em Minas
sempre ficava sozinha, exceto quando fui a julgamento, quando fiquei com
a Terezinha. Na ida e na vinda todas as mulheres presas no Tiradentes
sabiam que eu estava presa: por exemplo, Maria Celeste Martins e Idoina
de Souza Rangel, de São Paulo.”
Visita da mãe
“Em Minas, estava sozinha. Não via gente. (A solidão) era parte
integrante da tortura. Mas a minha mãe me visitava às vezes, porém, não
nos piores momentos. Minha mãe sabia que estava presa, mas eles não a
deixavam me ver. Mas a doutora Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada, me
viu em São Paulo, logo após a minha chegada de Minas. Hoje ela mora no
Rio e posso contatá-la ”
Cena da bomba
“Em
Minas, fiquei só com a Terezinha. Uma bomba foi jogada na nossa cela.
Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora (nunca me levaram para BH).
Quando voltei para o julgamento, me colocaram numa cela, na 4ª Cia. de
Polícia do Exército, 4ª Região Militar, lá apareceu outra vez o Dops que
me interrogava. Mas foi um interrogatório bem mais leve. Fiquei
esperando o julgamento lá dentro.”
Frio de cão
“Um dia, a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis que
entra uma bomba de gás lacrimogênio, pois estavam treinando lá fora. Eu e
Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o hospital. Tive o
‘prazer’ de conhecer o comandante general Sílvio Frota, que posteriormente me colocaria na lista dos infiltrados no poder público, me levando a perder o emprego.”
‘prazer’ de conhecer o comandante general Sílvio Frota, que posteriormente me colocaria na lista dos infiltrados no poder público, me levando a perder o emprego.”
Motivos
“Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma
hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater
naquele dia. Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém
que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e
depois paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão,
pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas.”
Morte e solidão
“Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri,
pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão.
Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a
gente o resto da vida.”
Marcas da tortura
“As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim.”
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