O golpe militar chileno foi um dos acontecimentos
políticos mais importantes da história chilena e latino-americana da
segunda metade do século XX. O golpe, liderado pelo general de
extrema-direita Augusto Pinochet, teve aprovação da
burguesia e apoio financeiro dos Estados Unidos, ocorreu em 11 de
setembro de 1973 e destitui, violentamente do poder, o presidente
socialista Salvador Allende.
Não se pode compreender a dimensão do golpe sem conhecer previamente a
situação política, econômica e social do Chile naquele período. Este
país, desde 1830 gozava de uma atividade política e eleitoral
democrática até o golpe de 1973. Com a chegada do século XX, o Chile
consolidou-se como um Estado democrático parlamentar,
com uma aliança de classes no poder sob a hegemonia da burguesia
industrial e com uma pequena participação das camadas médias e do
movimento operário.
É em 1970 que esse cenário começou a ganhar novos traços, com o surgimento e vitória do candidato da Unidade Popular
o socialista Salvador Allende, o Chile elegia democraticamente, pela
primeira vez na história mundial, um presidente socialista que tinha
como proposta o projeto de transição pacífica para o socialismo, que
ficou conhecido como via chilena ao socialismo. Este
projeto buscava a implementação de um governo socialista através de
meios pacíficos, a partir das estruturas democráticas, assegurando a
liberdade e respeitando a constituição.
Allende venceu as eleições e chegou à presidência em meio a uma crise
econômica; e com seus objetivos anticapitalistas o governo enfrentou
esse momento de instabilidade com métodos tradicionais. Durante o
primeiro ano de governo, Allende avançou na estatização de setores chave da economia como a mineração de cobre, sistema bancário, setor petroleiro entre outros além do início da reforma agrária.
Porém esse governo de caráter socialista não agradou à burguesia
chilena, nem ao governo dos Estados Unidos que estabeleceu, em 1971, um bloqueio econômico
informal ao Chile, fazendo com que a crise se intensificasse. Então um
período de caos se estabeleceu no país, sem conseguir produzir
suficientemente para toda nação, bens de primeira necessidade e sem
poder importar parte desses produtos, uma vez que o Chile era
historicamente dependente das importações estadunidenses, o país viu
crescer o mercado negro de alimentos e a falta desses
produtos atingiu mais as classes mais pobres do que a burguesia, que
apoiada nos EUA tinha acesso aos produtos através do mercado ilegal.
Foi neste momento que a burguesia, outrora classe dominante do
cenário político, usou essa instabilidade a seu favor, que apoiada na
força política e econômica tanto nacional quanto internacional inicia
uma contra ofensiva ao governo. Em 1972 intensifica-se a mobilização das
camadas médias juntamente com alguns oficiais das Forças Armadas
chilenas; é também nesse período que ganha força política a organização
fascista Patria y Libertad (braço paramilitar de
extrema direita do golpe formada pela classe média alta que promovia
boicotes e saia às ruas e usava violência para protestar contra
Allende). Entre agosto e outubro desse mesmo ano, a oposição tinha
criado um plano de desobediência civil que desestabilizou o governo, a sabotagem mais impactante foi a greve de 9 de setembro, financiada pelos EUA, feita pelos proprietários de caminhões que impediu o plantio da safra de 1972/73.
O governo respondeu à crise de forma defensiva, constituiu um
gabinete cívico-militar que foi uma tentativa de obter o apoio das
Forças Armadas. A maioria da população mais pobre e os trabalhadores
continuaram apoiando Allende, e organizavam-se para que a pouca comida
pudesse chegar a todos. Operários continuavam seus trabalhos nas
fábricas, porém todo esse esforço para ajudar o país e o presidente não
conseguiu sustentar-se por muito tempo.
A primeira tentativa de golpe aconteceu em 29 de junho de 1973, mas
ainda não era uma ação articulada globalmente com todas as forças
políticas, militares e sociais que participavam do plano oposicionista;
isso tornou possível ao governo de Allende neutralizar a ação com a
ajuda do general Prats, o último oficial legalista das
Forças Armadas. A oficialidade golpista tratou de articular um plano de
desprestígio a Prats que o levou a renunciar seu cargo de
comandante-chefe das Forças Armadas, uma vez que viu-se isolado; Allende
promove então o general Augusto Pinochet ao cargo que foi de Prats.
Ao observar a situação política do país, Allende percebeu que seu
projeto socialista deixava de ser uma alternativa política para o Chile,
então entendeu que havia duas opções para o país, o golpe militar ou a
volta da democracia burguesa personificada pela Democracia Cristã
– partido político composto pela burguesia industrial e apoiado pelas
classes alta e média chilenas. Preferindo sempre a via constitucional
Allende projetou convocar um plebiscito em que a população votaria por
sua continuidade no governo ou não, caso perdesse, passaria a
presidência ao presidente do senado, Eduardo Frei da
Democracia Cristã. Allende faria o anuncio público do plebiscito na
noite de 11 de setembro; o erro do presidente foi ter consultado
Pinochet sobre o discurso. Em posse desta informação Pinochet mobiliza
as forças oposicionistas e antecipa o golpe.
Em 11 de setembro de 1973, Santiago – capital
política e econômica do Chile – amanheceu aos ruídos de aviões que
sobrevoam o centro da capital, o palácio presidencial da Moneda
foi cercado por tanques das Forças Armadas. Salvador Allende fez apelos
a população contra o golpe, mas horas depois percebeu que pedir
resistência ao povo chileno custaria muitas vidas. Fez seu último
discurso ao povo na rádio da Central Única dos Trabalhadores
– única não tomada pelos militares – onde afirmava que “as grandes
alamedas por onde avançará o povo chileno voltarão abrir-se cedo ou
tarde” e anunciava que caberia às novas gerações de chilenos desbravar
estes caminhos.
Minutos depois do discurso o palácio foi bombardeado e invadido pelos
soldados golpistas. Allende recebeu de Pinochet um telefonema em que
oferecia ao presidente e sua família um avião para que abandonassem o
país, Allende disse que só sairia do Moneda morto; e assim aconteceu. A
versão divulgada pelo governo militar dizia que Allende matou-se com um
tiro na cabeça. Porém, há quem acredite que os soldados atiraram no
presidente. Para solucionar esse mistério, em 15 de abril de 2011 a
justiça chilena, a pedido de Izabel Allende – filha de Salvador -,
decretou a exumação do corpo para descobrir a real causa da morte.
Pinochet ficou no poder por mais de 26 anos (1973-1990) e implementou
uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina, somando inúmeros
mortos, torturados e desaparecidos.
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