O modo de se compreender o passado pode acontecer de diferentes formas.
No seu primeiro dia de aula, provavelmente na segunda fase do ensino
fundamental, um professor de História entrou em sala para discutir a
importância do estudo dessa matéria. Tal discussão, sem dúvida, é
importante. Afinal, as questões e modos de se investigar o passado nessa
nova fase do ensino passam a ser mais complexas e você, enquanto
indivíduo em formação, já se mostra tentado a levantar algumas questões
mais profundas sobre o que aconteceu no passado.
Sabemos que muitos por aí aprenderam que a História é importante para
que não cometamos os mesmos erros do passado, para que tenhamos a
oportunidade de organizar o agora e o porvir de modo mais seguro. Sob
tal perspectiva, o estudo dos fatos consumados teria um valor
estratégico. Em outras palavras, essa ideia sugere que a análise e a
crítica do passado determinam o alcance de um futuro livre das mazelas
que um dia nos afligiu.
De fato, ao observar esse tipo de uso para o passado, somos tentados a
romantizar a História como ferramenta indispensável ao progresso.
Contudo, seria mesmo correto dizer que a compreensão do passado garante
verdadeiramente uma sociedade ou uma civilização mais aprimorada? Se
assim fosse, toda a mazela que a Primeira Guerra Mundial trouxe para a
Europa incutiria a “lição” de que uma Segunda Guerra Mundial não deveria
acontecer. Mas não foi bem assim que as coisas se deram, não é?
Percebendo esse tipo de incoerência é que temos a chance de intuir que a
História não tem essa missão salvadora de alertar ao homem sobre os
erros que ele não pode cometer novamente. Na verdade, antes de acreditar
que as sociedades e civilizações já cometeram um mesmo equívoco duas
vezes, devemos entender que esses homens que são objetos de estudo do
passado não pensam, sentem, acreditam ou sonham da mesma forma através
dos dias, anos, décadas, séculos e milênios.
Sendo assim, a noção de progresso atribuída à História deve ser
abandonada em favor de uma investigação dos valores, das relações
sociais, conflitos e outros vestígios que nos mostram a transitoriedade e
a mutação dos contextos em que os fatos históricos são consumados. É
desse justo modo que passamos a entender que o homem e as sociedades que
lutaram e sofreram na Primeira Guerra Mundial não são exatamente os
mesmos que surgiram no cenário da Segunda Guerra Mundial.
Feita essa reflexão, não devemos chegar ao ponto de pensar que os
contextos e períodos em que a História decorre são radicalmente
distintos entre si. De uma época para outra, podemos notar que as
sociedades não abandonam seu antigo modo de agir para incorporar uma
postura completamente inovadora. Em cada período é necessário reconhecer
as continuidades e descontinuidades que mostram a força que o passado
possuiu enquanto referencial importante na formação dos indivíduos e das
coletividades.
Ao realizar esses apontamentos, não devemos acreditar que o passado não
passa de um jogo caótico controlado por jogadores (no caso, os homens)
que não sabem definir suas próprias regras. Antes disso, é muito mais
interessante notar que esse jogo tem feições múltiplas e que as formas
de reconhecer a natureza de suas regras podem se transformar de acordo
com a forma que olhamos para o passado.
Sendo assim, a investigação do passado se transforma em um grande
debate em que cada interessado tem a oportunidade de mostrar uma riqueza
inédita sobre um mesmo tema. Na medida em que isso acontece, não só
temos a chance de pensar sobre aquilo que o homem já fez, mas também
temos uma maneira curiosa, mesmo que seja pela completa diferença, de
debater os nossos valores e questionar o agora com os “olhos” de nossos
antepassados.
Por Rainer Sousa
Mestre em História
Mestre em História
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